Observatório econômico Por que poupar?

Publicado em: 19/02/2017 08:00 Atualizado em: 16/02/2017 20:36

Por Fernando Dias (*)

Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Em tempos em que a recessão e o desemprego batem à porta do trabalhador a notícia que os saldos de contas inativas do FGTS serão liberados a partir de março é mais que bem-vinda, afinal depois de 2 anos de recessão não tem seguro desemprego que dê jeito. Os economistas, com sua usual falta de imaginação, correm então para questionar qual uso será dado para este recurso e na mesma hora respondem: pagar dívidas e consumo.


Estudos recentes sugerem que mais de 60% dos brasileiros não poupam, e que menos de 5% costumam poupar voluntariamente pensando na aposentadoria. Por estes números somos um dos países em que a população menos poupa voluntariamente no mundo. Um leigo facilmente identificaria uma nação de perdulários, errando de forma crassa o diagnóstico. O que esconde a fantástica realidade brasileira?

Para responder vamos inicialmente analisar porque as pessoas poupam, pois isso é o mesmo que não gastar e, consequentemente, não adquirir aquilo que pode lhe dar satisfação hoje. Em linhas gerais há dois motivos, o prudencial e o investimento. No primeiro caso você poupa porque a renda e os gastos de amanhã são incertos e, assim, é necessário compor um fundo de reserva para mitigar este risco. Já a poupança para investimento corresponde a decisão de trocar o consumo hoje por mais consumo amanhã em função de uma remuneração considerada vantajosa para isto, seja na forma de juro seja na forma valorização de ativos.

Não precisa ser nenhum teórico da economia para saber que há muito mais pessoas no mundo poupando pelo primeiro motivo que pelo segundo. Isto acontece porque no segundo caso é suposto que o indivíduo possua uma parcela de renda excedente ao consumo básico e ele pode escolher consumir no futuro, o que em países pobres corresponde a uma parcela muito pequena da população. E o que ocorre no Brasil? Inicialmente por sermos um país onde predomina a pobreza, o motivo de poupança para investimento é esperado ser baixo em termos de dispersão. Já a poupança prudencial é afetada, além da renda líquida, pelo estado de bem-estar social, e como no Brasil ele é em tese amplo isto afeta negativamente a propensão a poupar dos agentes.

Então não poupamos? Muito pouco, ao menos voluntariamente como confirmam os números disponíveis. Voluntariamente? Sim, pois por uma destas jabuticabas de nossa economia todo empregado vinculado a CLT no Brasil “poupa” uma parte de seu salário de forma compulsória em fundo chamado FGTS. Proposto como uma compensação pelo fim da estabilidade da reforma trabalhista nos idos de 1960 o FGTS rapidamente se transformou num dos maiores fundos, senão o maior, do Brasil. O FGTS opera como um fundo prudencial para o trabalhador, e em paralelo com o seguro desemprego e a gratuidade do SUS fornece cobertura suficiente para cobrir em grande parte este motivo de poupança. Já o servidor público tem estabilidade, cobrindo em grande parte o motivo prudencial.

É justamente esta poupança compulsória que será liberada para os que estão com suas contas inativas, ou seja, estão desempregados ou mudaram de regime de trabalho. Como ocorre com todo fundo prudencial quando é sacado, o objetivo principal é fazer frente as despesas correntes (inclusas dívidas) e daí é muito razoável supor que boa parte dos valores liberados deverão entrar na economia na forma de consumo/pagamentos. Tudo? Não. Aqueles poucos que não precisam sacar o fundo o farão pelo motivo de investimento, pois a União é uma péssima gestora e remunera o FGTS de forma absolutamente não atraente para o beneficiário. Vai tudo para Tesouro Direto e outros ativos financeiros, não deve sobrar muita coisa.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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