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Observatório Econômico Esta matemática que nos atormenta Por Fernando Dias*

Publicado em: 02/01/2017 08:00 Atualizado em: 29/12/2016 14:33

Fernando Dias é professor de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Em um mundo regido cada vez mais por regras, cabe cada vez mais a compreensão do que nos cerca para que não tomemos decisões erradas simplesmente por desconhecer uma informação ou ignorar seu funcionamento. A complexidade das relações também é um elemento que se soma à difícil tarefa de entender as informações do dia a dia em nossa sociedade conectada. Neste contexto, onde as relações de natureza econômica são cada vez mais debatidas, questões simples que envolvem notações matemáticas terminam por causar imbróglios e erros de interpretação sem fim que, muitas vezes, sobrepujam o objeto da discussão.

Matemática não é nem de perto a matéria preferida da maioria das pessoas, mas nem por isso deixa de ser, junto com linguagem, o par mais importante a ser aprendido. Não por acaso, quase todos os sistemas de avaliação de ensino básico usam estas disciplinas como referência, como, por exemplo, o PISA (Programme for International Student Assessment). Mas é tão importante assim aprender matemática? Sim, salvo se você tenha alguém para interpretar problemas cada vez mais frequente para você.

Em Economia, por exemplo, há duas áreas em que a incompreensão de elementos básicos dificulta enormemente até mesmo se discutir sobre o objeto principal: finanças e atuarial. A parte de finanças é clássica (para os economistas) e já estamos acostumados até mesmo com a tradicional “redução de 150%”. Ora, se você reduz um preço 100% significa que o produto tem preço zero, mais que isso o vendedor está lhe pagando para levar. Além deste ponto simplório vem o famoso, o incompreensível juro composto. Renegado pelas leis dos homens e dos deuses por séculos, o juro composto é a consequência lógica de uma capitalização. Por exemplo, o valor recebido por quem investe durante 2 meses ao juro mensal “X” precisa ser o mesmo de quem investiu um mês ao mesmo juro e depois investiu mais um mês. Apesar disso, milhões de pessoas pensam diariamente com base em juros simples, e não raro são surpreendidas por dívidas capitalizadas.

O poder da capitalização composta em um país de tradição de juros altos como o Brasil é enorme. Em tese aqui todo mundo devia saber matemática financeira desde criancinha para poder trabalhar em um país onde tem instituição que cobra 400% ao ano. A maioria das pessoas imagina que, em 5 anos, uma dívida a esta taxa pagará 2000% de juros, será multiplicada 21 vezes. Longe da verdade, a esta taxa esta dívida seria multiplicada por 3.125 e já seria impagável no 2º ano.

Cálculos atuariais também são desconhecidos da maioria das pessoas. Trata-se de cálculos relacionados a relação entre composição de fundos de investimento para aposentadoria. Em linhas bem simples trata-se de saber quanto você tem de investir, por quanto tempo, para receber um determinado valor quando parar de trabalhar. Boa parte da discussão previdenciária gira em torno deste tema, mas muitos argumentos tendem a ser incompreensíveis para a maioria das pessoas porque a maioria desconhece a lógica e muitos que conhecem preferem que assim continue. Um erro clássico, por exemplo, é achar que só existe uma expectativa de vida, e não são raros argumentos de toda sorte baseados na ideia de que no Brasil as pessoas irão se aposentar com 65 e viver até os 75, ou que com 49 anos de contribuição e 75 de expectativa de vida iria se trabalhar até a morte. Na verdade, quem chegar aos 65 tem mais 18 anos de vida segundo o mesmo estudo que diz que 75 é a expectativa de vida ao nascer.

Por muito tempo tentar evitar a matemática por que era matéria difícil era quase lugar comum, o custo no final não era tão alto. A sociedade vem elevando cada vez mais este custo! O excesso de informação precisa de triagem e análise, e sem ferramentas o que se tem no final é uma infinidade de opiniões desprovidas de conteúdo. Está na hora de levarmos o PISA a sério, ensinar direito o básico e depois pensar no que pode ser adicionado. Como diz o provérbio, “aprendiz de muitos ofícios não chega a mestre em nenhum deles”.

* Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE

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