Observatório econômico PEC dos gastos: remédio ou veneno?

Publicado em: 12/09/2016 08:00 Atualizado em: 08/09/2016 21:28

(*) Por Marcelo Eduardo Alves da Silva

Marcelo Eduardo Alves da Silva é Professor de Economia da UFPE. Foto: Paulo Paiva/DP
Marcelo Eduardo Alves da Silva é Professor de Economia da UFPE. Foto: Paulo Paiva/DP
No período 2008-2015, a despesa pública cresceu anualmente, em média, 6% acima da inflação, deteriorando nosso quadro fiscal. Sem um controle adequado da despesa, precisaremos de mais  impostos e/ou mais dívida pública. Com uma carga tributária de quase 33% do PIB e com uma dívida de 70% do PIB, o governo não poderá continuar refinanciando a dívida, sem uma mudança no regime fiscal.


A PEC 241 propõe que, a partir de 2017, as despesas primárias da União fiquem limitadas ao que foi gasto no ano anterior corrigido pela inflação. Na prática, isto significa que as despesas de 2018 serão as mesmas de 2017, corrigidas apenas pela inflação de 2017. E assim por diante, durante 20 anos. A medida visa conter o aumento das despesas e ajudar a levar a dívida pública para uma trajetória de solvência. A regra tem a vantagem de ser clara, permitindo antecipar o comportamento dos gastos, abrindo espaço para se discutir, de verdade, o orçamento federal. Não implementá-la significará mais incertezas sobre a solvência do governo e sobre a sua capacidade de honrar compromissos básicos com a população, sem que isto signifique mais inflação. Há alternativas menos drásticas, mas dada a nossa capacidade de mudar regras ao “sabor do momento”, reduziria a credibilidade que se almeja.

A sua implementação abrirá espaço para se discutir prioridades no orçamento, a eficiência dos gastos públicos, custos e benefícios de programas governamentais, ajudando a criar uma consciência coletiva de que o governo também enfrenta tradeoffs e que não cria riquezas, mas as subtrai da sociedade. Se bem sucedido, o ajuste devolverá a confiança na solvência do governo, reduzindo os juros, criando um ambiente para a retomada do investimento e o crescimento econômico. Receio, no entanto, que o formato atual seja excessivamente rígido e puniria gestores mais eficientes. Gestores que gastassem menos em determinado ano, seriam punidos com menos recursos nos anos subsequentes (em termos reais). Portanto, para garantir a sua fatia do orçamento, os gestores seriam levados a gastar o máximo permitido. A menos que se crie uma espécie de “poupança”, onde recursos não gastos possam ser utilizados em anos subsequentes, a regra inibirá o ganho de eficiência dos gastos que tanto se espera.

 Além disto, deve-se garantir que os gestores na “ponta” possuam os instrumentos necessários para controlar os gastos (decidir sobre despesas com pessoal, no remanejamento do orçamento, etc.). Há de se reconhecer ainda que há gastos extraordinários, que fogem das mãos dos gestores. Por exemplo, num surto de meningite, gestores de saúde deverão retirar recursos de outros setores para poder enfrentar maiores despesas com vacinas, etc. Isto pode ser uma fonte de instabilidade. Talvez pudéssemos criar uma Autoridade Fiscal Independente com membros com mandatos fixos e não coincidentes com o presidente da república. Esta autoridade estabeleceria válvulas de escape, a fim de evitar que a regra se torne em mais uma fonte de instabilidade da economia, mas sem perder de vista o objetivo de trazer a relação dívida/PIB para uma trajetória sustentável. Reitero que a regra é importante, mas sua implementação no formato atual poderá trazer problemas desnecessários. E como diz o ditado, a diferença entre o remédio e o veneno, é a dosagem.

(*) Professor de Economia da UFPE.

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