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Observatório econômico A recessão não chega ao trânsito?

Publicado em: 26/09/2016 08:00 Atualizado em: 21/09/2016 19:56

(*) Por Fernando Dias
 
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Um dos temas mais comentados hoje em dia, a mobilidade é um problema que aflige dos países ricos aos pobres, e gera uma discussão bastante centrada no quesito congestionamentos de trânsito apesar de haver diversas outras facetas. A maior importância dada aos congestionamentos se dá em função de um aspecto prático, o trânsito atinge indistintamente a todos que se deslocam na cidade, todos os dias e durante quase todo o ano. O custo do trânsito é elevado, por sua vez, não apenas pelo tempo que as pessoas perdem se deslocando, mas também pelo quanto isto custa em termos de produtividade. O mundo perde bilhões com isto anualmente, e muito tem sido feito para propor soluções, muito embora os resultados sejam lentos e pouco perceptíveis.


No Brasil, por exemplo, para ser ter uma ideia da dimensão deste problema, uma pesquisa divulgada em maio deste ano pela empresa de GPS TomTom revelou que em 2016, três entre as 10 cidades mais congestionadas no mundo ficavam no Brasil. E São Paulo não era uma delas. Na metodologia da TomTom o que conta é o tempo adicional para se fazer um trajeto no horário do rush em relação ao horário normal. Rio de Janeiro (+47%), Salvador (+43%) e Recife (+43%) são top 10 na demora, enquanto São Paulo é “somente” a 58º cidade mais congestionada e a pior é a Cidade do México (+59%). A metodologia da TomTom considera o tamanho da cidade na classificação, e assim Recife que é uma cidade territorialmente pequena com trânsito ruim aparece pior que São Paulo, cujo trânsito é famoso, mas os trajetos são normalmente mais demorados em função da dimensão da cidade.

Muitos analistas explicaram ao longo dos últimos anos que a sensível piora no trânsito se deveu a combinação de um período de rápido crescimento econômico com uma política deliberada do Estado para expandir o mercado de automóveis e motocicletas. Com efeito a frota cresceu muito até 2014, e partir daí a contração das vendas vem sendo de montante nunca visto antes na história deste país. Mas o trânsito continua caótico.

Analisando a questão trânsito, o que temos é que a recessão pode até reduzir um pouco o volume de tráfego em função de menor deslocamento para o trabalho (desemprego) e maior uso de transporte público (queda na renda), porém este efeito tende a ser pequeno pois mesmo o desempregado precisa procurar outro emprego assim como o usuário de transporte individual tem restrição a usar o transporte público, a demanda por combustíveis é inelástica como dizem os economistas. Além disso, carros e motos são bens duráveis, com vida útil acima de 20 anos.

Salvo se torne uma catástrofe econômica, a recessão não será, desta forma, uma solução para o trânsito. Embora o crescimento seja causa do problema, o decrescimento pouco faz para resolvê-lo. O que fazer então? É uníssono que se deve investir em transporte coletivo, o que implica automaticamente em soluções que são caras, demoradas e complicadas de implementar. É comum também se falar em “conscientizar” as pessoas, ou seja, tentar convencê-las de alguma forma em trocar o automóvel por outras opções, desde andar a pé até usar o ônibus que esteja disponível.

Já que existe solução podemos nos alegrar, vai acabar o problema? Não, guarde sua alegria para não se decepcionar. Soluções caras, demoradas e complicadas se apresentam para a população de forma homeopática e não raramente incompletas tais como as famosas obras da Copa do Mundo. Já “conscientizar” as pessoas funciona melhor como tema de conversa de intelectual que como solução prática em larga escala, e raríssimos são os exemplos de efetividade que não estejam associados a particularidades locais tais como dimensão de cidades, plano diretor prévio, condições topográficas e climáticas. O melhor que podemos fazer hoje, ao que tudo indica, é investir em uma boa trilha musical pois conviver com o trânsito é algo que ainda devemos fazer por um bom tempo.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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