Observatório econômico O amor e o ódio entre o público e o privado

Publicado em: 14/08/2016 08:00 Atualizado em: 12/08/2016 18:06

(*) Por Fernando Dias

Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Em nosso país de tantas idiossincrasias esta união é muito forte. De cara temos uma enorme carga tributária, onde o Estado leva algo entre 10 e 40% do faturamento bruto das empresas de forma direta ou indireta.


A economia brasileira atravessa atualmente uma fase bastante conturbada, com uma longa recessão atrelada a uma crise política que em conjunto paralisam o país. Dentro do cerne da atual crise há uma combinação entre uma política econômica desastrada com práticas “pouco republicanas” de tratar a coisa pública. O resultado disto todos conhecemos, mas há, de fato, algo novo?

Muitas teses podem ser escritas sobre o relacionamento entre o público e o privado no Brasil. Se fosse para resumir esta relação, a melhor forma seria descrever como uma união de amor e ódio entre duas partes que nunca se separam e vivem em constante conflito. É sempre assim? De certa forma, sim. Em todos os países do mundo a relação público-privado é embrionária e a intensidade desta relação pode ser resumida pela intensidade da carga tributária, pela estrutura do sistema legal, pela forma do sistema político e pela herança cultural. Em cada país isso gera uma união mais forte ou mais fraca, mas não se conhece caso de separação plena.

E no Brasil? Em nosso país de tantas idiossincrasias esta união é muito forte. De cara temos uma enorme carga tributária, onde o Estado leva algo entre 10 e 40% do faturamento bruto das empresas de forma direta ou indireta, sendo sócio nos lucros e algoz nos prejuízos. Já o sistema legal é um capítulo à parte, com a CLT, o Código Civil, a Lei de Falências e as centenas de regulamentos federais, estaduais e municipais a aterrorizar o dia a dia das empresas.

Até aqui é só ódio, mas a política e os aspectos culturais trarão um pouco de amor a esta relação sem deixar, é claro, de trazer também mais conflitos. Do ponto de vista político, o público e o privado sempre se confundiram no Brasil, é parte de nossa herança colonial. Mesmo com a independência e, posteriormente a República, sempre houve forte interligação entre estes dois lados da economia, algo que teve seu ápice nas décadas em que vigorou a República do café. Com o advento da revolução de 1930, que fechou o ciclo dos cafeicultores no poder, o Brasil entrou em uma nova fase de intervencionismo estatal, que de certa forma, perdura até hoje. O Estado assumiu para si o desenvolvimento brasileiro através de todo tipo de política pública, o que gerou uma espécie de dependência do setor privado a incentivos estatais de toda sorte.

Já o aspecto cultural está diretamente relacionado a forma como se relacionam os setores público e privado. De um sistema onde o público era gerido pelo privado a um onde o público escolhe os privados que irão crescer, o pensamento aceito é que o Estado é um provedor universal ao qual se deve requerer todo o necessário para o sucesso, e responsabilizar sobre qualquer aspecto de falha.

Parece estranho, e de fato o é. Este é, contudo, um efeito deliberado da forma como se entende o Estado no Brasil a partir de nossa visão de política. A visão do Estado desenvolvimentista se consolidou no Brasil desde a era Vargas, e a figura propagada por basicamente todas as vertentes atuais é, de certa forma, que tudo provém do Estado. Saímos do campo por que Vargas nos industrializou. Penetramos no interior por que Juscelino nos guiou a partir de Brasília. Nos tornamos uma grande economia por que os militares promoveram o milagre. Saímos da crise da dívida e da hiperinflação porque FHC lançou o plano Real. Estamos saindo da pobreza por que Lula criou o Bolsa Família. Estes são fatos rotineiramente aceitos no Brasil e propagam a ideia que só o Estado nos salva, e isto justifica a forma como ele cresce sem parar ao mesmo tempo que perdoa sua cada vez maior ineficiência. Por outro lado, a iniciativa privada é deixada em segundo plano, uma atriz coadjuvante no processo. Não se conhece caso em que esta visão tenha levado algum país para frente, e o Brasil exemplifica bem que ela está associada a países que ficam para trás. Mudar a forma como entendemos e dependemos do Estado no Brasil também faz parte do necessário para traçarmos um caminho de desenvolvimento sustentável.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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