Por: André Clemente - Diario de Pernambuco
Publicado em: 24/04/2016 17:05 Atualizado em: 28/04/2016 16:30
Erros de projeto não considreram templo tombado pelo Iphan, que precisou refazer o traçado em Custódia. Desde então, construção parou. Foto: Ricardo Fernandes/DP |
Especialistas alertam para os equívocos do planejamento da obra até a execução e garantem que o simbolismo da igrejinha representa a falta de prioridade com o projeto. Além disso, pela importância para o país, reforçam que não deveria ser tratada como item político. O Ministério dos Transportes não apresenta sequer uma previsão de conclusão nos últimos relatórios do PAC.
“A obra estoura todos os orçamentos previstos e não tem qualquer utilidade para a economia. O custo partiu de R$ 4,5 bilhões em 2006 e chegou a R$ 11,2 bilhões atuais. A previsão de entregar em 2010 também foi ignorada. A última previsão era 2018, que eu não acredito que ocorra”, destaca o presidente da Associação Nordestina de Logística do Nordeste (Anelog), Fernando Trigueiro. “Até o percentual de conclusão é questionável. Se tivesse 55% concluídos teria algum trecho pronto, seja de Salgueiro a algum porto (Pecém ou Suape) ou na integração do Piauí. E nada disso é apresentado”, acrescenta.
A construção em Pernambuco tinha tudo para ser a primeira a engrenar. O estado foi o primeiro a concluir o processo de desapropriação das áreas que serão impactadas pela construção. O traçado passou por quatro mudanças no trecho pernambucano para livrar áreas de barragem (para evitar inundações) e centros urbanos (que encarecem as indenizações), além da igreja de Custódia, protegida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por ter restos quilombolas sob a construção do tempo. Depois de anos de entraves para definição da manutenção da igreja, foi planejada e entregue à Agência Nacional de Transportes Terrestres a mudança, com a construção passando 14 metros ao lado do templo. Uma nova igreja chegou a ser construída em 2011 para que os cultos fossem transferidos, mas não houve adesão da comunidade. Nesse embróglio, a obra estacionou.
De acordo com o professor do departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Maurício Pina, o agravante do atraso é que chega a um ponto em que, quanto mais atrasa, mais cara a obra fica para os cofres públicos. "Tratar como política é problemático. No fim, ninguém ganha. Principalmente no estágio atual, como projeto pronto e obra na metade. Não dá para recuar e desistir. Dá para concluir, se colocar como prioridade", assinala. Segundo o professor, além do caráter político, os problemas que uma obra encontra é pela falta de atenção que se dá ao projeto. "Não se prioriza a elaboração e a importância do projeto. Trabalha-se como prazos inexequíveis de elaboração do projeto para que a obra comece logo. Isso é um erro grave porque dá margens para custo imprecisos, por exemplo", pontua.
RESPONSABILIDADE
A construção é responsabilidade da Transnordestina Logística S.A (TLSA), concessionária responsável por implantar os 1.753 quilômetros de malha ferroviária, mas que, atualmente, não trabalha em Pernambuco, apenas no Ceará e no Piauí. A TLSA foi procurada pelo Diario, mas não informou quando deve voltar a mobilizar equipamentos no estado, não apresentou calendário de entrega do projeto, nem informou orçamento à disposição para tirar o projeto do papel. O Ministério dos Transportes, apesar de ser o órgão do governo vinculado à obra, disse que qualquer assunto é tratado com o agente privado.
Nos trilhos do desenvolvimento
Especialistas afirmam que cada paralisação de obras interfere diretamente no custo. Obras já estiveram mobilizadas em Pernambuco, em 2012, mas não avançaram. Foto: Ricardo Fernandes/DP |
“Mais de 60% do escoamento de produção do Nordeste usa rodovias. Ter o acréscimo dos trilhos reduziria o custo do frente em 30%, porque só usaria as rodovias em rotas finais ou iniciais e deixaria os grandes percursos por trem”, explica, reforçando a necessidade da integração dos modais. “O gesso do Araripe, por exemplo, perde mercado para o gesso importado, pelo custo. É mais barato importar do que trazer de Araripina até o Porto de Suape, de onde segue por navio, outro modal de integração logístico.”
Ainda segundo Trigueiro, para um país com as nossas proporções, o ideal é usar mais ferrovias do que estradas e, no Nordeste, a malha disponível é zero. “Mas a falta de envolvimento nesse aspecto frustra o setor. A obra anda somente no Ceará, o que se caracteriza um caráter político e não técnico. Qualquer que seja o governo, é preciso priorizar essa obra. São dez anos de defasagem”, ressalta.
O professor do departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco, Mauricio Pina, reforça que é necessário cessar esse círculo vicioso sobre a Transnordestina. "Afirma-se que não se faz infraestrutura ferroviária porque não tem demanda para sustentar o fluxo e depois rebate-se assegurando que só não existe carga porque não tem ferrovia. E ninguém avança. É preciso superar esse círculo e perceber que a Transnordestina é importante para a economia, já tem parte executada e precisa ser concluída. OS atrasos são péssimos", ressalta. "Terraplanagem, por exemplo, é uma etapa de obra muito exposta. Se fizer essa parte e parar, o próximo recurso que chegar vai ser usado para refazer em vez de avançar. Terrível para uma construção e uma forma muito improdutiva de tratar recurso público", complementa.
Mobilização em outros estados
Com status de 100% parada em Pernambuco, a obra tem sinais de mobilização nos demais estados. Ainda assim, sem grandes expressão de engenharia. O governo federal apresenta um balanço de 55% de conclusão na obra total, mas não consegue informar quais os trechos que têm todas as etapas da montagem de trilhos realizadas. No Piauí, por exemplo, o trecho que possuía canteiros de obra em operação demitiu mais de mil pessoas há um mês e a obra parou. Há uma semana, o último lote resistente também parou, pouco mais de seis meses depois de iniciar. Ninguém foi recontratado para retomar as atividades, segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Construção pesada lotada no Piauí. No Ceará, a obra reúne o maior volume de obras.
Hoje, a obra emprega mais de três mil operários, maioria no Ceará. Missão Velha-Pecém reúne o maior volume de trabalhadores. O trecho possui atividades e mais de 2 mil trabalhadores na construção. O governador do Ceará, Camilo Santana, teria solicitado um repasse de R$ 3,5 bilhões para entregar a rota no estado. Sobre a possibilidade de voltar as atividades no Piauí, a TLSA não informou qualquer data para a obra ser retomada. A concessionária não deu prazos para resolver o impasse da igreja em
Pernambuco, nem se será garantida a continuidade da obra no Ceará. Conforme o projeto, a ferrovia poderá transportar 30 milhões de toneladas/ano, com destaque para granéis sólidos (minério e grãos).
Entenda as mudanças na obra
- Entre 2005 e 2006, na fase de tirar o projeto inicial do papel, a ferrovia teria 800 quilômetros de novos trechos ferroviários e 1.100 seriam aproveitados de malhas já existentes da Rede Ferroviária Federal, que passariam por remodelação.
- O projeto passou por fortes intervenções em 2011 e passou a ser 100% rota de trilhos novos, sem trechos a serem recuperados.
- Para evitar áreas de inundação com a construção da barragem de Serro Azul, iniciada em 2015, o traçado foi readequado em 2011.
- Outra alteração ocorreu para que o centros urbanos das cidades de Escada, Gameleira e Ribeirão não fossem “cortados” pelos trilhos. A proposta foi apresentada em 2012.
- O projeto sofreu intervenção em 2014 para desviar o centro do Cabo de Santo Agostinho, onde, inclusive, está sendo implantado o projeto Convida Suape, cidade planejada para 100 mil habitantes.
- Em 2015, uma nova mudança inclui, além de atualização e reajuste, uma incorporação de novos pontos de engenharia, que inclui os pontos de mudança de rotas, postos de acessibilidade, adequações e custos com medidas socioambientais.
- O prazo de entrega do projeto, atualmente, é 2017.
Mudanças no custo:
O orçamento para a obra já foi reajustado três vezes
Começou em 2007 com R$ 4,5 bilhões
foi reajustado em 2010 para R$ 5,4 bilhões
e revisto em 2013 para R$ 7,5 bilhões
A última revisão de custo foi em 2015 e levou o valor da obra para R$ 11,2 bilhões.
Fonte: Transnordestina Logística S.A. (TLSA)/Ministério dos Transportes