Contratos sob suspeita no plano de saúde de carteiros
Presidente da Postal Saúde contrata empresa da qual o filho foi sócio e é empregado. Um ano depois, aditivo praticamente dobra o valor a ser pago para manutenção de site da operadora. Correios dizem que convênios médicos estão sendo auditados
Publicado: 05/10/2015 às 08:51
O presidente da Postal Saúde, Sérgio Francisco da Silva, contratou uma empresa que emprega o próprio filho para prestar serviços à operadora do plano de saúde dos empregados dos Correios. Atualmente, a entidade atende mais de 415 mil pessoas, entre ativos, aposentados e dependentes. Fruto do primeiro casamento do executivo, Igor Fediczko Silva, 29 anos, é diretor e já figurou como sócio da Dazopi Agência Web, que criou a intranet do convênio médico dos carteiros. O primeiro contrato celebrado entre as partes foi assinado em 13 de fevereiro de 2014, no valor de R$ 58 mil, e foi ratificado por Sérgio, conforme documentos obtidos pelo Correio.
Registros da Junta Comercial de São Paulo apontam que Igor só deixou de figurar como sócio da empresa em 14 de março de 2014, data posterior à assinatura do primeiro contrato entre a Dazopi e a Postal Saúde. Juristas ouvidos reservadamente pelo Correio apontam que essa mudança configura conflito de interesses, ocultação com intenções escusos e é eticamente questionável. A Postal Saúde é mantida pelos Correios, recebe dinheiro público, não cobra mensalidades dos beneficiários, mas não é obrigada, por lei, a seguir os princípios da administração pública porque tem personalidade jurídica de direito privado. Na prática, não precisa fazer licitações para contratar prestadores de serviço.
A participação de Igor no dia a dia da Postal Saúde pode ser comprovada por e-mails trocados entre ele e empregados da operadora. Nas mensagens, o filho do presidente da empresa recebia instruções para fazer atualizações de conteúdos, prestava informações sobre o que foi feito e dava sugestões para o desenvolvimento de trabalhos. Segundo funcionários e ex-funcionários da Postal Saúde, Igor sempre se apresentou como sócio-diretor da Dazopi. Não é só: ele teve passagens aéreas e hospedagem pagas pela operadora para se deslocar de São Paulo para Brasília.
A Postal Saúde não se furtou em ampliar a parceria com a Dazopi. Tanto que, em 1º de fevereiro de 2015, praticamente um ano depois da assinatura do primeiro contrato, fez um aditivo com a empresa e aumentou de 150 para 1 mil horas o total de serviços mensais de programação. Cada hora custa R$ 100. Na prática, a Dazopi quase dobrou os ganhos com o plano de saúde dos carteiros, pois passou a faturar, por mês, até R$ 100 mil.
Parceria antiga
Contratualmente, hoje, a Dazopi é representada por Rafael Benevides, amigo de longa data de Igor. Os dois tiveram uma banda e já compuseram músicas em parceria. Dados da Receita Federal apontam que, além de Benevides, Adriana Teixeira da Silva figura como sócia da empresa atualmente. Nenhum dos dois retornou os contatos feitos por telefone e mensagens. Procurado, Igor afirmou que não é diretor da Dazopi, mas presta serviços à empresa como pessoa jurídica. “Nunca fui diretor da Dazopi. Presto serviços como programador. Nunca tive nenhuma relação trabalhista com a Postal Saúde”, afirma.
A Postal Saúde reforça que o proprietário da Dazopi é Rafael Benevides, que não tem qualquer relação de parentesco com o presidente da caixa de assistência e saúde dos carteiros. A operadora, entretanto, não informa quanto já pagou à agência de comunicação pelos serviços prestados. A Postal Saúde ressalta que os critérios adotados para a contratação de empresas, incluindo a Dazopi, seguem as regras adotadas no Manual de Alçadas da entidade, fixa critérios de oportunidade e conveniência.
A operadora destaca ainda que é uma associação civil, sem fins lucrativos e segue, estritamente, o preconizado na Resolução Normativa nº 137 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que dispõe sobre as entidades de autogestão no âmbito do sistema de saúde suplementar. “Pelo código de ética da Postal Saúde, são adotados critérios estritamente técnicos para a contratação de prestadores de serviço o processo é pautado pela imparcialidade e transparência”, frisa.
Excesso de despesas
Responsável pelos repasses à Postal Saúde, os Correios asseguram que não está sob a sua alçada legal a gestão dos contratados da operadora que atende os carteiros. A estatal frisa que, como mantenedora da caixa de assistência, que foi criada em abril de 2013, é obrigada a fazer auditoria nos convênios médicos. O primeiro trabalho de checagem dos dados, por sinal, está em andamento.
Especialistas ouvidos pelo Correio avaliam que o código de ética da Postal Saúde foi deixado de lado quando seu presidente contratou uma empresa da qual o filho foi sócio e ainda é empregado. Além disso, questionam o excesso de despesas administrativas da operadora. As demonstrações financeiras de 2014 apontam que a caixa de assistência desembolsou R$ 104,4 milhões com a sustentação da máquina, dos quais R$ 61,2 milhões com serviços terceirizados. A Postal Saúde tem 346 empregados.
Sérgio Francisco da Silva chegou a presidência da Postal Saúde por indicação do presidente dos Correios, Wagner Pinheiro. Os dois mantêm amizade desde os tempos que integravam o Sindicato dos Bancários de São Paulo. Com a chegada de Lula ao Palácio do Planalto, em 2003, Silva foi nomeado diretor de administração da Funcef, fundo de pensão dos empregados da Caixa Econômica Federal. Pinheiro foi para a Petros, entidade de previdência complementar dos trabalhadores da Petrobras. Os dois voltaram a manter relações estreitas a partir de 2012, quando Pinheiro, já presidente dos Correios, escolheu Silva para ocupar a vice-presidência de administração da estatal.
Patrimonialismo
Para José Matias-Pereira, especialista em administração pública da Universidade de Brasília (UnB), o fato de o presidente da Postal Saúde, Sérgio Francisco da Silva, contratar a empresa da qual o filho, Igor Fediczko Silva, foi diretor é mais um exemplo do aparelhamento da máquina pública que o PT adotou depois de chegar ao poder. “Os indicados pelo PT se sentem confortáveis para tomar decisões em benefício próprio. Eles confundem o público com o privado”, diz. No entender dele, tanto o Ministério Público Federal quanto a Controladoria Geral da União (CGU) devem abrir investigações para apurar os fatos e aplicar punições, se necessário.
Transparência
O secretário-geral do Contas Abertas, Gil Castelo Branco, recomenda que a Postal Saúde fixe regras mais rígidas para a contratação de prestadores de serviços como forma de evitar que parentes de dirigentes venham a ser beneficiados. “Os critérios devem levar em conta a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência já que a operadora é mantida com recursos públicos”, assinala. Para ele, é lamentável que os Correios, que já tiveram problemas com seu fundo de pensão, o Postalis, tenha que lidar com possível irregularidades na sua caixa de assistência e saúde.
Memória
Rombo de R$ 5,6 bilhões
Há motivos de sobra para a preocupação de funcionários dos Correios com os rumos da Postal Saúde, que administra os planos de saúde deles. Os trabalhadores estão sendo obrigados a, mensalmente, cobrir o rombo de R$ 5,6 bilhões detectado no Postalis, o fundo de pensão da estatal.
A fundação foi rateada pelo governo entre o PT e o PMDB. Os indicados para gerir o patrimônio dos trabalhadores fizeram uma série de operações irregulares, que resultaram em grandes prejuízos aos associados, mas aumentaram o patrimonial pessoal. Todos, por sinal, estão ricos e circulando livremente, sem nenhum tipo de punição.
Relatório da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), responsável por regular e fiscalizar os fundos de pensão, mostra que diretores e conselheiros do Postalis “não agiram com zelo e ética”. Boa parte do dinheiro surrupiado dos carteiros foi aplicada em bancos que acabaram sendo liquidados pelo Banco Central por fraude e gestão temerária, entre eles, o Cruzeiro do Sul e BVA.

