Sem recolhimento Terceirizadas pelo governo puxam golpes com o FGTS MPT diz que a maior parte das denúncias contra empresas que não recolhem o fundo envolve prestadoras de serviços a órgãos públicos

Por: Correio Braziliense

Publicado em: 20/04/2015 09:03 Atualizado em: 20/04/2015 09:32

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) tem sido um importante instrumento para os trabalhadores que sonham em financiar a casa própria. Em muitos casos, os recursos que, por lei, devem ser depositados mensalmente pelas empresas, foram vitais para o sustento das famílias em períodos de desemprego. Apesar de toda essa importância, o desrespeito é grande. São muitos os empregadores que descumprem a obrigatoriedade de recolher as contribuições correspondentes a 8% do salário. Pior: muitas firmas simplesmente somem com o dinheiro de seus empregados.

Não à toa, o número de processos envolvendo irregularidades com o FGTS cresce sem parar. E, para espanto do Ministério Público do Trabalho (MPT), as campeãs de fraudes são as empresas terceirizadas que prestam serviços para órgãos públicos. A maior parte dos trabalhadores contratados por essas firmas está com as contas vazias, apesar de a União, os estados e os municípios terem destinado os recursos para depósitos por meio das firmas prestadoras de serviço. Ou seja, as companhias terceirizadas receberam os 8% referentes ao fundo de garantia, mas ficam com o dinheiro de seus funcionários.

Os golpes com o FGTS de empregados de empresas terceirizadas pelos governos são chocantes, admite o procurador-chefe do MPT no Ceará, Antônio de Oliveira Lima. Ocorrem sem que quase nada seja feito para conter a farra. A razão é simples: as firmas contratadas, em boa parte dos casos, são criadas já com o objetivo de cometer ilícitos. Como as negociações são feitas por meio de pregões eletrônicos, não se sabe ao certo quem está por trás da concorrência. As garantias apresentadas não são checadas com o devido rigor. Vencem sempre os menores preços oferecidos pelos serviços. Em questão de meses, as prestadoras de serviços se mostram verdadeiras fraudes.

Sem constrangimento

O caminho percorrido pelas terceirizadas contratadas pelos órgãos públicos até os golpes nos trabalhadores é sempre o mesmo, reconhece Lima. Para vencer a concorrência, muitas das firmas fazem propostas irreais. Logo no início da vigência dos contratos começam a apresentar dificuldades de caixa. Passam, então, a cortar custos e a deixar de oferecer equipamentos de segurança aos empregados. Depois, suspendem os depósitos do FGTS, mesmo tendo recebido os recursos dos contratantes, e o recolhimento de tributos. O passo seguinte é a quebra.

Quando os órgãos contratantes vão atrás, deparam-se com empresas incapazes de prestar qualquer serviço. Muitas têm endereços fictícios. Por isso, os donos quase nunca são encontrados e punidos. Fogem sem nenhum constrangimento, deixando para trás milhares de trabalhadores desamparados. Mas não é só. Logo depois, eles reaparecem por meio de outras empresas, representados por laranjas, que vão participar de concorrências, vencer as disputas e dar os mesmos golpes.

A despeito do roteiro conhecido, diz o procurador-chefe do MPT do Ceará, são comuns os casos de fiscais de contratos fechados pelos entes públicos se darem por satisfeitos com a apresentação de guias de recolhimento ou comprovantes bancários que, muitas vezes, são apenas agendamentos e não comprovam o pagamento das contribuições ao fundo. O ideal, ressalta ele, seria que os governos realmente fiscalizassem as terceirizadas e exigissem regularmente os extratos do FGTS e de outros tributos para terem a garantia de que não há risco de calote. “Isso faria com que os trabalhadores recebessem tudo a que têm direito. Mas o que vemos são verbas rescisórias não pagas, especialmente a multa de 40% sobre o saldo que todos deveriam ter no fundo de garantia”, comenta.

Cobrança

A secretária Andressa Marques, 28 anos, perdeu as contas dos golpes que sofreu. Ele já foi contratada por várias empresas que prestaram serviços de limpeza para os ministérios da Justiça, do Trabalho e da Fazenda. Em nenhuma das contratações, conseguiu receber o FGTS a que tinha direito. “Fui atrás, reclamei com os sindicatos que diziam nos representar, mas, até hoje, nunca vi a cor do meu dinheiro”, ressalta.

Atualmente, Andressa está contratada por uma terceirizada que presta serviços para uma empresa privada. “Fui à Caixa Econômica Federal e conferi que os depósitos do fundo de garantia vêm sendo feitos regularmente. Mas, para ser sincera, não sei até quando tudo continuará certo. Temo que tudo se repita”, assinala.

Para o procurador Antônio Lima, a fiscalização das empresas terceirizadas não deve se restringir aos contratantes. Também os trabalhadores devem verificar o recolhimento de contribuições. “Esse acompanhamento é fundamental para evitar surpresas, destaca.

11 mil processos

Dados da Justiça do Trabalho indicam que existem hoje, no país, pelo menos 11 mil processos exclusivos que tramitam nos tribunais sobre a ausência de depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), aí incluídos os recolhimentos mensais e a multa de 40% em caso de demissão sem justa causa. Mas milhares de reclamações são feitas à Justiça comum por diferentes motivos, entre eles, a correção dos depósitos no fundo, que vêm perdendo sistematicamente para a inflação.

Advogado e especialista em direito do trabalho, José Eduardo Pastore explica que muitos dos processos cobrando o FTGS não pago decorrem da terceirização precária, que é realidade no país e precisa ser combatida, sobretudo pelos órgãos públicos. Mas, na avaliação dele, independentemente dos problemas, as prestadoras de serviço são importantes tanto para a iniciativa privada quanto para a administração direta, sociedades de economia mista, estatais, estados e municípios. “Uma fiscalização rígida dos contratos é vital. Temos muitos relatos de terceirizações que deram certo e que ajudaram as empresas contratantes a elevar a produtividade.”

No entender de Pastore, o país deveria enfrentar o processo de terceirização de peito aberto. Há, segundo ele, uma oportunidade importante para se dar um passo à frente com a tramitação do projeto de lei 4.330 no Congresso Nacional. “Mas a regulamentação deve ser ampla, pegando contratos da iniciativa privada e do setor público”, diz. O texto em discussão na Câmara dos Deputados só trata de empresas privadas. “Atualmente, há muita insegurança jurídica porque o juiz precisa decidir o que é atividade fim ou meio. A súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) só prevê a possibilidade de terceirização na atividade meio”, destaca.

Decepção

O professor Sérgio Aragão, 63 anos, aguarda há quase dois anos decisão do Judiciário em uma ação referente à falta de recolhimento do FGTS. Ele afirma que, em 2004, a faculdade para a qual trabalha não fez os depósitos no fundo. Preocupado, procurou o Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinproep-DF), que recomendou que ele recorresse à Justiça. Aragão relata que muitos colegas não pedem o desligamento da instituição porque o emprego no local é a única fonte de renda. “Não temos previsão nenhuma de quando receberemos alguma resposta”, lamenta.

 

Extrato

Os trabalhadores podem acompanhar a regularidade dos depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) por meio de vários canais. É possível se cadastrar pela internet por meio do endereço www.fgts.gov.br e consultar os extratos de saldos e rendimentos todos os meses. Os trabalhadores podem, ainda, requisitar as informações pode meio de mensagens no celular. Outro recurso para evitar surpresas desagradáveis é solicitar as informações em uma agência da Caixa Econômica Federal, responsável pela gestão do fundo. Nesse último caso, porém, é preciso ter paciência por causa das longas filas e do atendimento precário. 



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