Contas públicas Fatura de juros vai a R$ 1 trilhão na era Dilma Descontrole orçamentário, inflação em alta, endividamento crescente e elevação da Selic explicam o nível recorde das gastos financeiros do governo. Montante pago desde 2011 sustentaria por 37 anos o Programa Bolsa Família

Por: Diego Amorim - Correio Braziliense

Publicado em: 28/03/2015 08:00 Atualizado em:

De dezembro de 2013 até o início deste mês, período em que a moeda norte-americana se valorizou 38% frente ao real. Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas
De dezembro de 2013 até o início deste mês, período em que a moeda norte-americana se valorizou 38% frente ao real. Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas
A conta de juros paga pelo governo bateu recorde na era da presidente Dilma Rousseff. Desde que ela assumiu o comando do país, mais de R$ 1 trilhão foram torrados com o custo da dívida do setor público, segundo levantamento feito pelo Correio com base na série histórica do Banco Central. O montante equivale a quase 80% do valor de R$ 1,2 trilhão desembolsado durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O valor gasto com juros pela gestão Dilma até aqui seria suficiente para financiar o Bolsa Família — a principal bandeira social do governo — por 37 anos, levando em conta o custo anual do programa, que alcançou R$ 27 bilhões em 2014. O total representa, ainda, 15,2 vezes a meta de R$ 66,3 bilhões — 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) — do superávit primário para este ano. Somente em 2014, o governo desembolsou R$ 311,3 bilhões, um salto de quase 60% na comparação com o último ano de Lula. Desde 2012, esses gastos têm crescido mais rapidamente. A façanha de acumular R$ 1 trilhão destinados a juros em quatro anos, avaliam especialistas, reflete os erros da política econômica de Dilma.

Na metade do primeiro mandato, a presidente se empolgou quando o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) jogou a taxa básica (Selic) para o menor patamar da história: 7,25% ao ano. Chegou a dizer na televisão que os “juros baixos garantiriam o crescimento do país”. Não deu certo. Como o governo não fechou a torneira dos gastos públicos, que dispararam, a inflação voltou a atormentar os brasileiros e o BC se viu obrigado a iniciar, em abril de 2013, uma nova escalada de juros.

Desde então, foram 11 aumentos, até a Selic alcançar os atuais 12,75% ao ano, dois percentuais acima dos 10,75% do fim do mandato de Lula. Com a carestia ainda disseminada e resistente, analistas do mercado financeiro acreditam em mais duas altas em 2015, o que, além de atrapalhar os planos de retomada do crescimento, tende a turbinar a conta dos encargos financeiros. “Está claro que a tentativa de baixar os juros na marra, como Dilma fez, foi uma experiência muito malsucedida”, avalia o economista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Simão Davi Silber.

Arrocho
O volume desse gasto do governo chegou a 6,08% do PIB no ano passado, a maior proporção desde 2007. “É um patamar administrável, não estamos à beira da insolvência. Mas se o arrocho não vingar, entraremos em uma trajetória mais perversa”, comenta o economista e ex-diretor de Dívida Pública do BC Carlos Thadeu de Freitas. O arrocho a que ele se refere são as medidas de ajuste fiscal anunciadas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para recompor o Orçamento da União. Levy encontra resistência política para concretizá-las, principalmente as que tornam mais rígidas as regras de acesso a benefícios trabalhistas e previdenciários, como seguro-desemprego e pensão por morte.

Além da disparada da Selic, os prejuízos do Banco Central com o programa de swap cambial, iniciado em agosto de 2013 para tentar conter o avanço do dólar, ajudam a explicar parte do crescimento da conta do setor público com o pagamento de encargos financeiros. De dezembro de 2013 até o início deste mês, período em que a moeda norte-americana se valorizou 38% frente ao real, a autoridade monetária teve um prejuízo de R$ 58,8 bilhões com a estratégia: ganhou R$ 46,7 bilhões e perdeu R$ 105,6 bilhões no período.

O prazo previsto para o encerramento do programa, uma espécie de venda futura de dólares, termina no próximo dia 31. O BC promete decidir nos próximos dias se vai mantê-lo ou não. Analistas sustentam que, mesmo com o dólar em alta, a autoridade monetária não tem mais condições de continuar com os swaps, uma vez que a munição para usar esse instrumento está acabando. “O Banco Central teve muito prejuízo com esse programa”, sustenta Freitas.

De acordo com o BC, o resultado desfavorável nas operações de swap cambial contribuiu para um aumento da conta de juros na ordem de 0,3 ponto percentual do PIB. No entender do órgão, o prejuízo do programa não foi determinante para a trajetória de alta da conta de despesas financeiras. “Em 2014, os juros nominais do setor público consolidado apresentaram elevação da ordem de 0,94 pontos percentual do PIB, comparativamente ao ano anterior. Entre os fatores que influenciaram esse aumento, destacam-se as elevações da Selic e do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que incidem sobre parcelas significativas do endividamento”, informou o BC, em nota.

Risco
O aumento da dívida em si também puxou o volume de juros pagos. Além de ter gastado muito mais do que arrecadou, o que o obrigou a recorrer ao lançamento de títulos no mercado, o governo injetou no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mais de R$ 400 bilhões, nos últimos anos, para que a instituição pudesse financiar grandes grupos privados. Para repassar essa montanha de dinheiro à instituição, o Tesouro Nacional também recorreu à estratégia de vender papéis da dívida pública a investidores.

Em última análise, avaliam os economistas, o descontrole orçamentário foi o fator determinante. Com as contas fora de controle, lembra Simão Silber, o mercado passa a exigir mais juros do governo, porque percebe que ele está perdendo a capacidade de financiamento. Constante ao longo do primeiro mandato de Dilma, a piora das contas públicas culminou, no ano passado, com um deficit de R$ 32,5 bilhões, o pior resultado desde 2001, início da série estatística do BC.

O nível de instabilidade econômica do país também engrossa a conta de juros. No começo de 2013, o risco Brasil, uma medida usada pelos credores para avaliar a capacidade de pagamento dos países, estava em 100 pontos. Na última semana, cravou 300 pontos. O aumento de 200% nesse período bate, naturalmente, na taxa de juros. O risco começa a descolar. E risco implica juros. “A gestão fiscal e a macroeconômica foram absurdamente temerárias. O Brasil entrou em uma aventura que não tinha como dar certo. É difícil não querer que, nesta situação, as despesas com juros não estejam altas e crescentes”, comenta Silber.


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