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COLUNAS

RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O real e o ideal nas relações internacionais

Publicado em: 16/08/2019 14:28

Estamos diante de um dos mais antigos dilemas em termos de análise e condução da política internacional. É a partir desta velha dicotomia que duas importantíssimas escolas de pensamento estruturam suas premissas e suas lógicas funcionais. Estamos, pois, lidando com o idealismo e o realismo. Precisamos, desta forma, nos posicionar sobre o presente e o futuro do concerto das nações, em termos de contextualização filosófica.

O realismo tem suas raízes no filosofo chinês Sun Tzu, exímio observador do comportamento da infantaria na análise do terreno e da alma humana no âmbito dos jogos de guerra. Sua obra A Arte da Guerra é tida como seminal e serviu de inspiração para vários generais em batalha, bem como formou a visão de líderes empresariais na forma de livros de autoajuda. Com o historiador grego Tucídides que narrou sobre a história da Guerra de Peloponeso entre Atenas e Esparta, ocorrida nos anos de 431-404 AC, temos a clara descrição do real como guia para compreender a antropologia das ações na esfera política. Conquista, estratégia, domínio, ambição e ataque são todas palavras recorrentes no fundamento realista que interpreta o âmago da alma humana como sedenta por poder e, consequentemente, inspirada por interesses. Neste caso, não existe gratuidade espontânea e benevolência pura; existe a luta pela maximização do retorno dos agentes políticos. Maquiavel, com sua obra O Príncipe, publicada em 1513, é marco das narrativas ambiciosas dos seres humanos nas mais diversas redes e conexões.

Na ótica realista, o cenário internacional, além de estruturado na incerteza, é montado em assimetria de informações por causa da natureza desnivelada do relacionamento entre os Estados e demais atores não estatais. O contexto externo é amoldado pelo poder, pela força, pelo interesse. Este último representa um debate, muitas vezes tenso, entre interesse nacional, interesse coletivo e interesse hegemônico no sistema internacional. O cenário internacional espelha a desigualdade inerente aos Estados e se retroalimenta por contradições. Revela as desigualdades profundas dos Estados com seus níveis de desenvolvimento socioeconômico, peso político e aspectos geodemográfcos. A corrente alicerça-se na existência da anarquia, e os interesses individuais dos atores políticos dão forma, funcionamento e coesão ao sistema político. Existem, além disso, a desigualdade e a consequente busca pelo militarismo, pela geoestratégia de defesa e manobra e pela lógica da conquista. Uma das principais premissas do realismo clássico é, em suma, que as relações humanas e, em última instância, as Relações Internacionais são centradas no poder, tendo a lógica da dominação como seu combustível. Enquanto o realismo – em sentido amplo – advoga centralidade no e para o Estado, o idealismo não desconsidera a importância do Leviatã, porém, enxerga outras forças pulverizadas juridicamente no interior e no exterior dos Estados com essencial função de legitimação da esfera externa. O reino do ideal traz as sementes de interpretação no contexto do “dever ser” por meio do olhar esperançoso sobre a natureza humana e o futuro. Além disso, a noção progressista em prol da paz, da justiça e da cooperação, bem como a força normativa das instituições multilaterais, dos regimes internacionais e das regras pactuadas entre os povos são marcos do idealismo. O Direito Internacional, a ética e a conduta reta e moral dos atores estatais mostram como a realidade pode ser mudada. Ou seja, estamos diante da busca contínua por melhoras em prol da paz coletiva. No idealismo, há sempre a força da justiça e da harmonia entre os povos, especialmente, com um dos principais representantes desta escola, o filosofo alemão Immanuel Kant com sua obra magistral, À Paz Perpétua, de 1795. A Carta da ONU (1945) tem, por seu turno, forte inspiração em Kant com seu idealismo cooperativo.

Neste sentido, qual dos caminhos deveremos seguir? O realismo com sua narrativa fatalista do poder pelo poder nas profundezas do ser humano e, de maneira ampliada, das estruturas da política internacional, ou do idealismo como busca da paz, da cooperação, da ética e da igualdade no âmbito da comunidade internacional através das normas jurídicas? Devemos, portanto, trilhar os sonhos idílicos ou caminhar para veredas da realidade crua de cada um? Cada um, prezado leitor, tem as respostas nas mãos e na alma.

* Doutor em Ciência Política. Coordenador do Curso de Ciência Política da UNICAP. Cônsul de Malta e Presidente da Sociedade Consular de Pernambuco.
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