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Relações internacionais

Futebol, nação, discurso e relações internacionais

Publicado em: 20/06/2019 07:29

Nossa alma esférica com suas chuteiras preparadas para brindar o momento único do gol (na garganta e no abraço coletivo) está sendo, novamente, convocada no âmbito do maior espetáculo esportivo do mundo: o futebol. Desta vez, houve a fina sintonia de presença da seleção feminina e masculina em dois importantíssimos torneios oficiais: no caso das mulheres, a Copa do Mundo na França; no caso dos homens, a Copa América – o mais antigo torneio permanente de futebol do mundo, datando, originalmente, de 1916 – em nosso próprio Brasil. 

Futebol é arte sim, porém também é política, é manifestação social e faz parte da formação antropológica do “Brasil profundo”. É bem mais do que meramente lúdico o futebol, como conhecemos. É explosão, no contexto do mosaico humano, guiada pelo ritmo frenético de anestesia tópica de nossas realidades. Não tenho dúvida. Os discursos sociais e políticos que o envolvem são bem visíveis na arena das quatro linhas. Futebol é religião nacional, quando estamos falando do país complexo e tropical que gerou Macunaíma. Futebol é catarse de grande parte da população que divaga e sonha com dias melhores, traduzidos na força do gol, da vitória do time e da conquista do título. Enquanto não conquistamos títulos expressivos no âmbito das liberdades econômicas, no âmbito do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ou na melhora da qualidade educacional, assim mensurado pelo Índice de Pisa, o futebol já nos basta. O futebol é meio e fim de nossas aspirações, de nossas misérias e de nossas pseudovitórias. Que lástima...

Quem disse que religião, política e futebol não se discutem? Claro que sim. Todos fazem parte de um mesmo eixo comum de sensibilidade, mas com grande abertura ao debate e às redefinições. O esporte, durante a segunda metade do século XX, deixou de ser mero palco romântico das aspirações de superação e conquista por parte de clubes e de países como um todo. Agora, são espetáculos cinematográficos bilionários. São arenas de apostas com a cobiça das cotações, acertos e contusões. O esporte, em especial o nosso futebol pentacampeão, virou febre midiática de fofocas em tempo real das mídias sociais. Virou bolsa de apostas; virou corretagem de interesses financeiros – apenas. Há muito, deixou de lado sua arte mágica, sua pureza ingênua da luta coletiva pela vitória (dentro e fora dos gramados) e sua hipnose dos traços inebriantes de Garrincha, Vavá e Pelé. Temos esperança ainda de reencontro, porém, será difícil trazermos à tona, novamente, a beleza ímpar da sinfonia magistral que foi a Seleção Canarinha tricampeã em 70 no Estádio Azteca no México contra a Itália por 4x1. 

Neste aspecto, as nossas meninas da Seleção, lideradas por Marta, a melhor do mundo, estão dando lições importantes de superação, garra e luta pela igualdade. Já são todas campeãs mundiais. Parabéns a todas elas, por conseguinte. São guerreiras de origem humilde que brilham e que trazem inspiração para esse mundo tão fraturado. Continuem com essa brava luta – dentro e fora dos estádios. Sigam em frente!

Também em frente deveremos pensar e torcer para a Seleção masculina e para o Brasil de maneira mais ampliada. Sendo o Brasil o anfitrião da Copa América – a última edição aqui realizada foi em 1989 – deve este nosso país utilizar a grande vitrine para também trazer mudanças estruturais no planejamento estratégico macroeconômico, nas instituições políticas e na nossa sociedade tão passiva e acomodada. Diferentemente do que se passa com as atletas do futebol feminino, para os jogadores, o caminho já está bem trilhado no campo, sobretudo, do reconhecimento, da visibilidade e da recompensa financeira. São, de fato, muitas as lutas sendo, simultaneamente, travadas. 

Que as vitórias (presentes e futuras) transcendam o mero ato de levantar a taça da Copa América e de outros torneios. Que consigamos, verdadeiramente, superar as muitas assimetrias que temos e cultivamos ao longo dos séculos. Neste sentido, o futebol pode e deve desempenhar papel relevante no sentido de transformação social e integração humana. Que o jogo continue, pois ainda estamos na metade do primeiro tempo.  

*  Doutor em Ciência Política. Coordenador do Curso de Ciência Política da UNICAP. Cônsul de Malta e Presidente da Sociedade Consular de Pernambuco. 
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