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COLUNAS

Reinvenções sustentáveis

Reinventar o petróleo

Publicado em: 15/04/2019 07:46

Foto: Paulo Paiva/DP
O diesel incendiou a polêmica do fim de semana. Para conter um aumento, temendo greve dos caminhoneiros, o presidente da República interferiu na Petrobras, gerando prejuízos à estatal e incertezas na política econômica. Controle de preço não acontece por vontade individual. Exige múltiplas articulações, olhando o conjunto e pensando soluções inovadoras e interconectadas.

Em vez de atitudes improvisadas e setoriais, que geram efeitos colaterais graves, é possível resolver vários problemas ao mesmo tempo, usando visão sistêmica, conhecimento multidisciplinar e inteligência criativa. Sim, governos deveriam agir assim. Mas... é preciso ter olhar pós-mesmice e interação inspiradora com a sociedade (agora muito limitada, após o presidente extinguir canais colegiados – Decreto 9.759/19).

Reduzir a queima de combustíveis fósseis que provocam aquecimento global (como carvão mineral e petróleo) é o maior desafio econômico-ambiental da humanidade. Esta urgência planetária, motivou mais de 180 países a assinarem o “Acordo de Paris” (2015), visando evitar que a temperatura média da Terra suba além de 2º C e aumente ainda mais a intensidade das catástrofes climáticas (ideal seria 1,5º e já ultrapassamos 1º C).  

Enfrentar essa disrupção climática cientificamente anunciada, é um grande desafio, mas as ações para reduzir poluições só farão bem: as cidades ficarão mais respiráveis, com menos fumaça; a agricultura mais produtiva, com modelos agroflorestais; a biodiversidade mais protegida, com reflorestamentos e a economia mais limpa, inclusiva e estável, com energia renovável,  reciclagem e mais empregos verdes. Enfim, a sociedade global terá um futuro mais saudável.

O Brasil, com uma frota de automóveis 70% flex (já usando álcool), tem vantagens competitivas na substituição de combustíveis fósseis e poderá aproveitar oportunidades nesta transição da antiga economia poluente e linear para a emergente economia limpa e circular, que equilibra emissão e captura de CO2. 

Biocombustíveis diversos (álcool de cana, biogás de resíduos orgânicos, biodiesel de soja, microalgas e outros vegetais);  bioquerosene de aviação (com enorme demanda internacional); mobilidade elétrica com abastecimento solar; alimentos orgânicos; serviços ambientais das florestas e energia renovável para indústria e transporte de baixo carbono são potencialidades para reorientar o desenvolvimento econômico nacional. A Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE), presidida pelo economista-ecológico pernambucano, Clóvis Cavalcanti, aponta, com base científica, os novos paradigmas sustentáveis para o Brasil e o mundo. Basta conhecer e implantar.   

Já é possível produzir biodiesel em larga escala (processando matérias florestais), gerar vários produtos substitutos do petróleo e converter antigas refinarias-fósseis em Biorrefinarias.  E com o replantio permanente de árvores, recaptura-se o carbono dos biocombustíveis queimados, num ciclo que não ocorre com os combustíveis fósseis, cuja fumaça cria uma capa ao redor da Terra, aprisionando o calor do sol, em “efeito-estufa”.

A tecnologia RTP (Rapid Thermal Processing) transforma sobras agrícolas e resíduos de árvores em bio-óleo, com propriedades similares às do petróleo. Como esses materiais são abundantes, com planejamento e políticas públicas adequadas será possível baixar preços, desenvolver tecnologias brasileiras, criar novos mercados para a Petrobras, tornar mais limpo e eficiente os transportes e mais rentáveis as atividades dos caminhoneiros. 

Para substituir o petróleo na produção de combustíveis seria necessário (e positivo) ampliar a base florestal, o que incentivaria a recuperação de áreas degradadas, ampliaria a captura de carbono, conservaria água, desenvolveria a biotecnologia, ajudaria a estabilizar o clima, dinamizaria a agricultura, geraria muitos empregos e beneficiaria áreas pobres e em processo de desertificação, como o semiárido nordestino. Enfim, o Brasil criaria um modelo de desenvolvimento inclusivo e sustentável que poderia oferecer ao mundo (em vez de copiar modelos decadentes). 

Entretanto, sem enxergar os horizontes do século 21, o governo federal parou na idade fóssil. Parece refém do diesel e caminha para um absurdo ecológico inacreditável. A direção do Ibama, contra recomendações da sua própria equipe técnica e submissa à visão antiecológica do presidente da República, caminha para liberar a exploração de petróleo na região do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, uma das áreas de maior biodiversidade do Oceano Atlântico, rica em espécies endêmicas e berçário das baleias Jubarte (que já estiveram em risco de extinção). 

O Ministério do Meio Ambiente, invertendo seu papel, alega a “relevância estratégica” do petróleo para defender esta afronta ambiental. Quanta degradação de valores! Estratégico é garantir o equilíbrio ambiental e evitar riscos de vazamentos fatais de óleo. Daqui a 50 anos, ou bem menos, o petróleo será praticamente dispensável, pois já teremos inúmeras alternativas consolidadas. Essas plataformas petrolíferas no mar serão obsoletas. Mas se as espécies que dependem de Abrolhos forem extintas, jamais serão recriadas e farão falta por toda a eternidade... 

*  Sérgio Xavier é jornalista, consultor e desenvolvedor de inovações para a sustentabilidade (InovSi e Circularis - Porto Digital). É ecologista e foi secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco.
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