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relações internacionais

O novo choque das civilizações

Publicado em: 26/04/2019 07:25

O título deste nosso artigo remete-nos ao texto seminal que nos serve de inspiração e comentário aqui. Voltemos, brevemente, no tempo... No ano de 1993, o professor de Harvard, Samuel Huntington, escreve o polêmico artigo na revista Foreign Affairs, que depois é transformado em livro homônimo, intitulado O Choque das Civilizações. O texto do autor trazia, quase que de forma profética e num tom fatalista, visões realistas e críticas sobre os novos horizontes da política internacional. Desencaixe intercultural, extremismos religiosos e descasamentos sociais, amputando a capacidade de diálogo ecumênico e interreligioso, eram os eixos fundamentais de argumentação do pesquisador. Na alvorada do século 21, segundo o teórico norte-americano, iríamos enfrentar, irremediavelmente, profundo colapso entre duas grandes matrizes culturais: o Ocidente de herança judaico-cristã com sua moral greco-romana e o islã, profissão de fé de mais de um bilhão de pessoas no mundo hoje. A força da globalização que, em um primeiro momento, trouxe a alegria do apagamento de fronteiras nacionais geoeconômicas, também iria ser o canal de exportação de radicalismos diversos, revelando os diagnósticos do perigoso cenário internacional de choque que iria se descortinar.

Neste sentido, ao final do século 20, a grande transformação ocorre, sistematicamente, para a política internacional com o processo linear de enfraquecimento, falência e implosão da UR- SS, em dezembro de 1991, no quadro mais ampliado dos eventos posteriores da queda do Muro de Berlim. Toda a conjuntura internacional, à época, trouxe a dicotomia interpretativa sobre o que estava se passando: uma de linha otimista-triunfalista da democracia liberal como antídoto para todas as mazelas do mundo, materializada na tese do fim da história de Francis Fukuyama, e outra de linha realista, centrada no artigo pontiagudo de Huntington citado acima. Antes de analisar o realismo de fraturas (ou clivagens civilizacionais) de Huntington é útil mapear a conjuntura internacional em seus primeiros momentos de euforia pós-queda do Muro de Berlim (1989). A pós-bipolaridade – marco de formação de nova ordem mundial no panorama das Relações Internacionais contemporâneas – deve ser encarada não necessariamente como ponto fixo ou momento histórico estanque no dínamo espaço-tempo da política internacional, mais sim como processo que possui, naturalmente, seu fluxo, suas contradições, seu momentum fluído entre 1989 e 1991. Logo na sequência, a euforia inicial foi dando lugar ao senso de doloroso fatalismo previsto por Huntington, especialmente, na segunda metade dos anos noventa.

Em um primeiro momento, Huntington foi execrado pela academia, sobretudo de orientação da esquerda progressista. À época, foi mencionado que Huntington estava equivocado e que sua visão estanque sobre dinâmicas civilizatórias complexas e processos culturais não se adequavam e que tinha cunho preconceituoso. Essas críticas se mantiveram fortes até aquela terça-feira, 11 de setembro de 2001, quando o mundo, atônito, viu os dois aviões destruindo as torres gêmeas em Nova Iorque. O conceito de guerra assimétrica (entre um Estado Nacional e um grupo terrorista difuso, operando em rede) foi ali criado. Mais: ali estava sendo fundado e divulgado o sentido de “novo terrorismo” de linha anticivilizatória. O terrorismo não mais estava atrelado ao conceito comumente conhecido de separatismo ou de desestabilização do Estado nacional em particular; a partir daquela manhã, o novo terrorismo, operado em rede, representaria a validação da tese de Hungtinton de choque das civilizações. Esta mesma nova prática do terror, profundamente simbólico e radical, trazia a nova gramática da força do terrorismo: suas mensagens eram indiretas e utilizariam o pânico contra alvos não combatentes, o atentado orquestrado milimetricamente, a dor e o sangue, em escala globalizada, como forma de mensagem política de desencaixe com a exportação do modelo ocidental ao resto do mundo. Ou seja: Huntington estava e continua certo – mesmo que muitos o critiquem e não aceitem suas teses audaciosas.

Quando testemunhamos o horroroso atentado no domingo de Páscoa no Sri Lanka, que ceifou a vida de mais de 300 pessoas, observamos que a chacina contra cristãos foi, ao que assim imagina o governo daquele país, reação cadenciada ao atentado supremacista ocorrido na Mesquita Central em Christchurch, Nova Zelândia, aproximadamente, um mês antes. Se olharmos para trás, vamos ver os atentados em Bali (2002), Madri (2004),Londres (2005), Paris contra o jornal satírico Charlie Hebdo em 2015, no aeroporto de Bruxelas (2016), em Nice (2016) e muitos outros... como dínamo continuado de violência perversa e intolerância mútua. Há uma triste persistência destas vinganças orquestradas. Infelizmente, não temos, no horizonte próximo, sinais pontuais de efetiva mudança positiva, no sentido de quebra o ciclo de ódio e rivalidade.

Portanto, precisamos de ampla reflexão e de ações conjuntas para, entendendo e respeitando as diferenças socioculturais e religiosas, termos canais de cooperação e de ecumenismo mais estreitos. Precisamos de aproximações e não de apartamentos agressivos; precisamos da lógica de soma positiva e de diálogo construtivo e não de fundamentalismos de choque e sangue. A radicalidade somente nos trouxe e nos traz morte e luto. Pensemos, desta forma, em Huntington como profeta amargo – porém lúcido e necessário – do presente-futuro no contexto dos tenebrosos tempos atuais.

* Doutor em Ciência Política. Coordenador do Curso de Ciência Política da UNICAP. Cônsul de Malta e Presidente da Sociedade Consular de Pernambuco.
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