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Ferramenta permite selecionar antígeno do coronavírus para criar vacina para a Aids

Publicado em: 27/05/2020 18:10

Superfície de uma célula dendrítica humana
 (Foto: Reprodução/Internet)
Superfície de uma célula dendrítica humana (Foto: Reprodução/Internet)
Mesmo com a atenção do sistema de saúde voltada para o combate à pandemia da Covid-19, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e colaboradores da Itália, Alemanha e Egito estão utilizando uma ferramenta computacional que auxilia no desenvolvimento de uma vacina terapêutica contra o HIV. A solução para o vírus causador da Aids já começou a ser testada em pacientes de todo o território nacional.

Em artigo divulgado pela plataforma medRxiv, ainda sem revisão, o grupo reconheceu a plataforma computacional como uma peça de grande importância no desenvolvimento da vacina. Além disso, propôs adaptar a metodologia para criar uma fórmula capaz de ajudar na recuperação de pacientes gravemente infectados pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2).

De acordo com o professor de Infectologia na Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e um dos autores do estudo, Ricardo Sobhie Diaz, a pesquisa permite auxiliar no tratamento de pessoas atingidas pelo vírus da Aids.

“A vacina terapêutica seria indicada para pacientes que começam a apresentar queda na saturação de oxigênio, o que pode ocorrer por volta do sétimo dia após o início dos sintomas. A ideia seria evitar que o quadro progrida para insuficiência respiratória”, afirmou.

Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAFESP), o condutor da pesquisa da Unifesp tem se dedicado a buscar, nos últimos oito anos, a "cura esterilizante" da aids, ou seja, a eliminação completa do HIV do organismo. O tratamento atual, feito com uma mistura de fármacos, consegue zerar a carga viral. Mas o HIV pode voltar a se replicar no corpo caso o tratamento seja interrompido.

Estratégia 
Uma das técnicas pesquisadas na Unifesp consiste em treinar determinadas células do sistema imunológico para “caçar” o vírus no organismo, mesmo que ele esteja inerte dentro dos linfócitos, sem replicação, ou escondido em regiões em que os medicamentos não conseguem alcançá-lo. Para Ricardo Diaz, a vacina desenvolvida pela universidade é conhecida como “apresentadoras de antígenos”.

“Desenvolvemos uma vacina de células dendríticas. Essas células de defesa têm o papel de ensinar os linfócitos do tipo T-CD4 a reconhecer partículas de vírus, bactérias ou qualquer outro invasor. Esses, por sua vez, induzem os linfócitos do tipo T-CD8, também chamados citotóxicos, a buscar e a eliminar as células infectadas por aquele antígeno específico”, explicou.

Funcionamento
Para desenvolver a vacina terapêutica, os pesquisadores da Unifesp realizam o uma espécie de “treinamento” das células dendríticas, feito na bancada do laboratório de forma personalizada. Para que essa prática ocorra, os cientistas fazem o sequenciamento do HIV presente nas células de cada paciente, com foco em uma região do genoma viral chamado GAG, considerada altamente capaz de induzir resposta imune.

Na análise, também é examinado o perfil genético de cada participante, por meio do sequenciamento dos genes que codificam os antígenos leucocitários humanos. O objetivo, nesse caso, é descobrir quais são as proteínas usadas pelas células dendríticas para fazer o reconhecimento e a apresentação dos antígenos.

Segundo Ricardo Diaz, as células dendríticas são obtidas a partir de uma amostra de sangue do paciente e, na sequência, é extraído do soro sanguíneo um tipo de leucócito. Após esse procedimento, a célula extraída é exposta a determinadas proteínas, que atuam como sinalizadores do sistema imune, que induzem a transformação.

Após o treinamento, as células dendríticas são injetadas na região inguinal e nas axilas dos pacientes para que se disseminem pelo sistema linfático, onde deverão capacitar os linfócitos para eliminar o HIV.

“Desenvolvemos uma ferramenta computacional chamada Custommune para selecionar, com base nos dados genéticos, nanômetros virais (peptídeos formados por nove aminoácidos) capazes de induzir uma forte resposta antiviral naquele indivíduo. E então sintetizamos esses peptídeos em laboratório e os colocamos para interagir in vitro com as células dendríticas”, esclareceu.

Resultados
A metodologia de tratamento, até agora, foi testada em 10 pacientes, que receberam três doses da vacina. Os exames iniciais indicaram que a formulação promoveu uma resposta antiviral no organismo. Como controle, os pesquisadores colocaram os leucócitos dos pacientes para interagir com antígenos da bactéria Staphylococcus aureus e, nesse caso, não houve produção de citocinas.

“Após cada dose, colhemos uma nova amostra de sangue dos voluntários e extraímos os linfócitos T-CD4 e T-CD8. Em seguida, colocamos essas células para interagir, in vitro, com os mesmos peptídeos virais usados na composição da vacina terapêutica. Observamos que os linfócitos, nessa condição, passavam a produzir moléculas como interleucina-2, fator de necrose tumoral alfa e interferon gama – citocinas pró-inflamatórias características de uma resposta antiviral. A cada dose da vacina foi possível observar um aumento linear e significativo na produção das citocinas”, informou Ricardo Diaz.

Todos os participantes do estudo já faziam uso do coquetel antiaids (antirretrovirais) há pelo menos dois anos e, portanto, não foi possível avaliar o efeito da vacina em termos de redução da carga viral, que já era indetectável desde o início do estudo. O tratamento com antirretroviral foi interrompido nessas pessoas e, em duas delas, o vírus não voltou a ser detectado no plasma sanguíneo na maior parte das amostras coletadas para análise.

Projeção
Os cientistas pretendem ampliar o teste clínico para um grupo de 50 voluntários, mas os planos foram adiados por causa da pandemia do novo coronavírus. A proposta é combinar a vacina terapêutica com o coquetel de antirretrovirais padrão acrescido de dois fármacos normalmente não usados no tratamento da Aids.

Para tratar da COVID-19, a vacina também teria que ser personalizada de acordo com cada paciente. Segundo Ricardo, “o pesquisador italiano, Andrea Savarino, simulou o uso da ferramenta para selecionar antígenos do Sars-Cov-2 que poderiam ser usados em uma formulação. A plataforma computacional permite desenvolver vacinas de células dendríticas, de peptídeos ou de DNA”, apontou.
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