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Ursos pardos ajudam cientistas a combater atrofia muscular em humanos

Publicado em: 01/01/2020 09:53

 (Foto: AFP)
Foto: AFP
Os ursos pardos passam muitos meses em hibernação, mas seus músculos não sofrem com a falta de movimento. Em um estudo publicado na revista Scientific Reports, uma equipe de pesquisadores do Centro Max Delbrueck de Medicina Molecular (MDC), em Berlim, relata como eles conseguem fazer isso. Segundo os cientistas, a estratégia desses animais poderá ajudar a prevenir a atrofia muscular em humanos.

Um urso pardo conhece apenas três temporadas durante o ano. Seu tempo de atividade começa entre março e maio. Por volta de setembro, ele passa a comer grandes quantidades de comida. Entre novembro e janeiro, é hora da hibernação. Do ponto de vista fisiológico, esse é o momento mais estranho de todos. O metabolismo e a frequência cardíaca do urso diminuem rapidamente. Ele não excreta urina nem fezes. A quantidade de nitrogênio no sangue aumenta drasticamente, e o animal se torna resistente ao hormônio insulina.

Uma pessoa dificilmente poderia sobreviver a essa fase de quatro meses em um estado saudável. Posteriormente, ela provavelmente teria que lidar com tromboses ou alterações psicológicas. Acima de tudo, os músculos sofreriam com esse período prolongado de desuso. Quem já teve um braço ou perna engessada por algumas semanas ou precisou ficar deitado na cama por um longo tempo devido a uma doença provavelmente já experimentou isso.

Estratégias
Não é o caso do urso pardo. Na primavera, ele acorda da hibernação, talvez ainda um pouco lento a princípio, mas sem alterações importantes. Muitos cientistas há muito se interessam pelas estratégias do animal para se adaptar às suas três estações do ano. Foi o que investigou uma equipe liderada pelo professor Michael Gotthardt, chefe do grupo de Biologia Celular e Neuromuscular e Cardiovascular do Centro Max Delbrueck de Medicina Molecular (MDC). Eles pesquisaram como os músculos do urso conseguem sobreviver virtualmente ilesos. Os cientistas de Berlim, em parceria com colegas dos Estados Unidos, estavam particularmente interessados na questão de quais genes das células musculares são transcritos e convertidos em proteínas, e que efeito isso sobre elas.

"A atrofia muscular é um problema humano real que ocorre em diversas circunstâncias. Ainda não somos muito bons em evitá-la", diz a principal autora do estudo, Douaa Mugahid, pesquisadora de pós-doutorado no laboratório do professor Marc Kirschner, do Departamento de Biologia de Sistemas da Harvard Medical School, em Boston. "Para mim, a beleza do nosso trabalho foi aprender como a natureza aperfeiçoou uma maneira de manter as funções musculares sob as difíceis condições de hibernação. Se pudermos entender melhor essas estratégias, seremos capazes de desenvolver métodos novos para prevenir e tratar melhor a atrofia muscular em pacientes", diz.

Para entender os truques dos ursos, a equipe examinou amostras de músculos de ursos pardos durante e entre os tempos de hibernação, doados pela Universidade Estadual de Washington. "Ao combinar técnicas de sequenciamento genético de ponta com espectrometria de massa, queríamos determinar quais genes e proteínas são regulados ou desativados durante e entre os períodos de hibernação", explica Gotthardt. "Essa tarefa provou ser complicada, porque nem o genoma completo nem o proteoma, ou seja, a totalidade das proteínas do urso pardo, eram conhecidos", diz o cientista. Em uma etapa posterior, ele comparou os resultados com observações de humanos, camundongos e vermes de nematoides.

Aplicação clínica
Como os pesquisadores relataram na revista Scientific Reports, eles identificaram proteínas que influenciam fortemente o metabolismo dos aminoácidos de um urso durante a hibernação. Como resultado, as células musculares contêm quantidades maiores de certos aminoácidos não essenciais (NEAAs). "Em experimentos com células musculares isoladas de humanos e camundongos que exibem atrofia muscular, o crescimento celular também pode ser estimulado pelos NEAAs", diz Michael Gotthardt, acrescentando que é sabido que a administração de aminoácidos na forma de pílulas ou pó não é suficiente para evitar atrofia muscular em  acamados.

"Obviamente, é importante que o músculo produza esses aminoácidos em si - caso contrário, eles podem não chegar aos locais onde são necessários", especula o cientista. Um ponto de partida terapêutico, diz ele, poderia ser a tentativa de induzir o músculo humano a produzir NEAAs, ativando as vias metabólicas correspondentes com agentes adequados durante períodos de descanso mais longos.

Crescimento
Para descobrir quais vias de sinalização precisam ser ativadas no músculo, Gotthardt e a equipe compararam a atividade de genes em ursos pardos, humanos e camundongos. Os dados necessários vieram de ratos com atrofia e de pacientes idosos ou acamados. "Queríamos descobrir quais genes são regulados de maneira diferente entre os animais que hibernam e os que não o fazem", explica. Para restringir os possíveis candidatos que poderiam vir a ser um ponto de partida para a terapia de atrofia muscular, a equipe subsequentemente realizou experimentos com vermes de nematoides. "Nos vermes, genes individuais podem ser desativados com relativa facilidade e é possível ver rapidamente quais efeitos isso tem no crescimento muscular."

Com a ajuda desses experimentos, a equipe encontrou alguns genes cuja influência eles esperam investigar em pesquisas futuras. Isso inclui as proteínas Pdk4 e Serpinf1, envolvidas no metabolismo da glicose e dos aminoácidos, além do Rora, que contribui para o desenvolvimento de ritmos circadianos. "Vamos agora examinar os efeitos da desativação desses genes", diz Gotthardt. "Eles só são adequados se houver efeitos colaterais limitados ou mesmo nenhum."
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