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Experiência com 'ratos cantores' pode ajudar em estudos sobre o autismo

Publicado em: 02/03/2019 17:51

foto: NYU School of Medicine/Divulgação
 
Um dos aspectos considerados mais fascinantes da interação humana é a capacidade de, em frações de segundos, ouvir o que uma pessoa tem a dizer, compreender a mensagem, elaborar a resposta e verbalizá-la. Porém, a ciência ainda não sabe como esse processo acontece no cérebro. Assim, tem pouco a oferecer a indivíduos que, devido a condições diversas, como sequela de AVC ou autismo, ficam com essa habilidade reduzida. Agora, um estudo com ratos selvagens que vivem nas florestas da Costa Rica está ajudando a desvendar os mecanismos cerebrais implicados na conversação.

Publicada na capa da revista Science, a pesquisa anuncia a descoberta de um circuito que permite a rápida troca de mensagens vocais entre indivíduos. Michael Long, professor de neurociências da Universidade de Nova York e autor sênior do trabalho, explica que, há 10 anos, o laboratório comandado por ele na instituição busca modelos para a investigação dessa habilidade, mas que só agora, nas florestas tropicais da América Central, encontrou o protagonista ideal: o rato cantor de Alston (Scotinomys teguina).

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Tanto os machos quanto as fêmeas da espécie cantam para atrair parceiros ou repelir rivais e são capazes de usar até 100 notas nas canções. Como num dueto, um desafia o outro, alternando as vocalizações com bastante rapidez. “É como fazem os humanos em uma conversa. Já foram feitos estudos para verificar quanto tempo levamos para ouvir, formular a resposta e verbalizá-la. Levamos um quinto de segundo para fazer isso. Como comparação, é metade do tempo que levamos para piscar o olho”, afirma Long. De acordo com ele, embora também dialoguem, outros animais não são modelos tão bons quanto o rato cantor de Alston, porque o padrão da conversa é diferente do humano.

“As interações sociais vocais são algo central para nossa identidade como pessoas, mas sabemos muito pouco como esse processo acontece no cérebro”, afirma o pesquisador. Agora, porém, os cientistas já têm pistas de como isso acontece. No estudo, eles descobriram que circuitos separados trabalham em conjunto para o encadeamento da conversação. “Descobrimos uma divisão de trabalho. Há mecanismos subcorticais que permitem gerar o som, e há o córtex motor, hierarquicamente superior a esses mecanismos, que comandam as áreas subcorticais, dizendo quando responder e quão rápido responder”, explica Arkarup Banerjee, pesquisador de pós-graduação e coautor do artigo. Ele ressalta que, nos humanos, o córtex motor também é fundamental para a interação verbal, implicando que, assim como nos ratos, essa região é quem envia as instruções sobre o encaminhamento de uma conversa.

Sinais elétricos
 
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores observaram, por meio de um exame chamado eletromiografia, os sinais elétricos emitidos pelo cérebro dos ratos à medida que o órgão gera contrações musculares envolvidas na vocalização, enquanto os animais cantavam. Isso permitiu determinar quais regiões cerebrais eram ativadas nessa atividade. O córtex motor orofacial, localizado na frente do córtex motor, mostrou-se responsável por regular o tempo do canto.

Em seguida, os cientistas “calaram” essas áreas do cérebro com dispositivos que interferem nos circuitos cerebrais e constataram que, de fato, as vocalizações ficaram desreguladas. “A separação funcional observada no cérebro entre as funções de geração de som e de temporização é o que possibilita trocas vocais socialmente relevantes”, diz Long. Ele afirma que o laboratório de neurociências que comanda na Universidade de Nova York já está avançando nos estudos sobre distúrbios de interação vocal em humanos, a partir do que a pesquisa com os ratos revelou. “Dez por cento dos norte-americanos sofrem algum tipo de distúrbio de comunicação, seja como resultado de derrames ou por condições como o autismo. Acredito que esses animais abriram uma janela para nosso conhecimento do que causa esses transtornos e, esperamos, de terapias adequadas.”

Modelo estratégico
 
Em um artigo analítico sobre a pesquisa escrito para a revista Science, Steffen R. Hage, neurobiólogo especializado em comunicação verbal da Universidade de Tübingen, na Alemanha, lembra que “entender a evolução do fundamento neural dos sistemas de comunicação verbal continua um dos maiores desafios da biologia”. “Embora, sem dúvidas, as redes neuronais envolvidas na produção do discurso humano sejam mais complexas do que os sistemas motores vocais dos mamíferos em geral, teorias evolutivas postulam pré-adaptações na linhagem dos mamíferos, não importa o quão exíguas possam ser.”

Hage destaca que, enquanto outros animais falharam como modelo da interação vocal humana, o estudo da Universidade de Nova York também é relevante por apresentar uma espécie que poderá revelar mais pistas a respeito. “O rato cantor de Alston acrescenta um novo modelo para investigar os mecanismos de controle cortical subjacentes aos sistemas de comunicação vocal em mamíferos”, diz.
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