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Já ter tido dengue diminui a chance de contrair zika, mostra estudo

Publicado em: 08/02/2019 08:47

O estudo com pesquisadores brasileiros e estrangeiros foi feito em Pau da Lima: comunidade com alta taxa de contágio de grávidas. Foto: Albert Ko/Divulgação
Mais de três anos depois da primeira epidemia de zika no país, com cerca de 1 milhão de brasileiros infectados entre 2015 e 2016, algumas questões sobre a doença permanecem em aberto. Uma delas é se já ter tido dengue — ou sido vacinado contra ela — aumenta ou diminui o risco de se contrair a enfermidade temida principalmente por gestantes. Embora estudos in vitro tenham sugerido que a presença no organismo de anticorpos contra o DEN protejam contra o ZIKV, pesquisas em animais não foram conclusivas. Agora, um estudo com participação de cientistas brasileiros, publicado na revista Science, mostra que essa associação é verdadeira.

A pesquisa, liderada pela Faculdade de Saúde Pública de Yale e pela Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, com colaboração da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), utilizou dados da comunidade de Pau da Lima, em Salvador. O bairro da periferia baiana foi escolhido por ter sido cenário de um estudo anterior de um dos autores, Albert Ko, epidemiologista de Yale. O cientista coletou sangue de 1.453 moradores entre outubro de 2014 e março de 2015. Os exames relativos ao período deram negativo para zika. Porém, essas mesmas pessoas foram testadas em outubro de 2015, auge da primeira epidemia da doença no Nordeste O resultado: 73% tinham sido infectadas.

Antes do surto em Pau da Lima, outros 642 moradores da comunidade tiveram o sangue coletado e testado para dengue. No caso, 86% tinham anticorpos para a doença, indicando que tiveram contato prévio com o vírus. Ao comparar esses dados aos dos exames de zika, os cientistas descobriram que, dependendo da quantidade de antígenos contra a dengue circulando no organismo, pessoas que já haviam sofrido dessa doença tinham até 44% menos risco de contrair zika. Essa proteção é progressiva, constataram os pesquisadores. “Esse é o primeiro estudo que avalia essa questão e demonstra que a imunidade à dengue pode proteger contra a infecção por zika em populações humanas”, comenta o epidemiologista Federico Costa, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Faculdade de Saúde Pública de Yale.

“Os resultados significam que há alguns anticorpos de proteção cruzada que a dengue fornece contra o zika”, diz Ernesto T. A. Marques, professor do Departamento de Doenças Infecciosas e Microbiologia da Universidade de Pittsburgh e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz. “Estudos futuros precisam ser feitos para checar se as novas vacinas contra dengue podem ser úteis para prevenir a infecção por zika”, destaca Marques, diretor científico da Cura Zika, uma aliança internacional que estimula a pesquisa sobre zika, microcefalia e outras doenças congênitas causadas em bebês.

Surto
Segundo Albert Ko, o estudo também explica o motivo da gravidade dos casos de microcefalia no Brasil. “A taxa excessivamente alta de infecção entre as mulheres grávidas em comunidades empobrecidas, como o nosso local de estudo, foi certamente a principal razão pela qual tivemos um grande surto de microcefalia entre as crianças no fim de 2015”, disse, em nota.

Por sua vez, os índices altos de infecção poderão proteger essa e outras comunidades afetadas igualmente pelo zika em próximas epidemias, destaca Isabel Rodriguez-Barraquer, professora-assistente da Universidade da Califórnia, em San Francisco, e autora sênior do estudo. Marques, porém, é cauteloso. “Nosso estudo foi feito em uma área urbana muito pequena e é provável que em outras partes do Brasil, mesmo em diferentes bairros de uma mesma cidade, as pessoas ainda estejam suscetíveis à infecção por zika”, alerta.

Gravidade da doença pode ser reduzida
Além de proteger contra a infecção do zika, o contágio prévio do organismo com o vírus da dengue reduz a gravidade da doença caso o indivíduo contraia as duas arboviroses. Em um estudo com quase 4 mil crianças da Nicarágua, publicado na revista Plos Medicine, pesquisadores da Universidade da Califórnia em Bekerley descobriram que aquelas com anticorpos da dengue não desenvolviam a forma sintomática da zika, mesmo quando picadas por um mosquito infectado.

O vírus zika e o micro-organismo causador da dengue são transmitidos pelos mosquitos Aedes aegypti e causam sintomas semelhantes, incluindo febre, erupção cutânea e dor nas articulações. Em alguns casos, a infecção pelo zika pode causar problemas neurológicos e, quando ocorre durante a gravidez, tem potencial de gerar graves danos ao desenvolvimento do feto. No entanto, muitas pessoas não apresentam sintomas quando infectadas por nenhum dos dois arbovírus.

Para examinar a relação entre esses micro-organismos, os autores da pesquisa analisaram a epidemia de zika de 2016 em Manágua, utilizando dados de crianças de 2 a 14 anos, muitas das quais tinham histórias de infecção por dengue. Dos 3.893 participantes, 1.356 apresentavam anticorpos para o zika, sendo que, em 560 deles, a doença provocou sintomas. Os cientistas, então, voltaram-se às informações médicas de 3.027 meninos e meninas, que vinham sendo acompanhados há anos por um estudo epidemiológico. Desses, 743 tiveram pelo menos uma infecção por dengue.

Com modelos estatísticos ajustados para sexo e idade, os pesquisadores descobriram que crianças infectadas pelo vírus da dengue correram risco significativamente menor de desenvolver sintomas quando contagiadas pelo zika. Porém, diferentemente do estudo  com dados da comunidade de Pau de Lima, em Salvador, ter tido dengue previamente não impediu o contágio pelo zika. Os autores observam que pesquisas futuras devem investigar os mecanismos imunológicos de proteção cruzada entre as duas arboviroses e examinar se a imunidade à dengue pode proteger contra a síndrome congênita do zika no caso de mulheres gestantes. 
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