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Humanidade pode não ter surgido apenas na África Ocidental

Conclusão vem após cientistas encontrarem ferramentas com mais de 2,4 milhões de anos em sítio arqueológico da Argélia

Publicado em: 30/11/2018 10:58

O sítio Ain Boucherit tem indícios de primeiras tecnologias usadas pelos hominídeos para se alimentar: ossos e pedras bem preservados. Foto: Mohamed Sahnouni/Divulgação
Pedras antigas e ossos de animais encontrados na Argélia podem mudar teorias relacionadas ao desenvolvimento do homem moderno no continente africano. A presença dos artefatos — usados como ferramentas — na África do Norte sugere que os hominídeos viveram na região muito antes do que se imaginava. A descoberta foi feita por cientistas espanhóis, que desconfiam de uma rápida dispersão dos objetos fora da África Oriental, considerada, até agora, o berço dessa tecnologia antiga. Ela também levanta a possibilidade do surgimento simultâneo dessas ferramentas no continente, ou seja, elas teriam sido criadas ao mesmo tempo na parte oriental e no norte africano.

Os primeiros exemplos de ferramentas antigas usadas por hominídeos foram encontrados na África Oriental e datados em mais de 2,6 milhões de anos. Ferramentas semelhantes foram encontradas na África do Norte, mas calculadas como mais recentes, com cerca de 1,8 milhão de anos. A pesquisa publicada na última edição da revista Science, porém, apresenta artefatos encontrados no sítio de Ain Boucherit, localizado nos altos planaltos do leste da Argélia, que têm características e idade semelhantes aos da África Oriental.

“Até nossas descobertas, o começo da cultura humana e o surgimento dos primeiros humanos eram conhecidos apenas na África Oriental. No entanto, as pesquisas em Ain Boucherit mostram que as ferramentas feitas de pedra e que são mais antigas também são encontradas no norte da África. Portanto, existe mais de uma berço da humanidade no continente africano”, afirma ao Correio Mohammed Sahnouni, principal autor do estudo, arqueólogo e líder do Projeto Ain Hanech.

Sahnouni descobriu o primeiro sítio arqueológico em que os materiais foram encontrados em 2006 (nível mais baixo) e 2008 (nível superior), durante um curso de estudos arqueológicos e estratigráficos (ramo da geologia que estuda rochas). Em escavações seguintes entre 2009 e 2016, o arqueólogo e seu grupo de pesquisa encontraram um grande número de artefatos líticos (feitos de pedra polida) e ossos com marcas de corte. Com a ajuda de aparelhos de magnetostratigrafia, que realizam medições de campos magnéticos, ressonâncias e biocronologia, eles conseguiram determinar a idade das ferramentas.

Os artefatos, divididos em dois estratos (unidade rochosa), têm cerca entre 1,9 milhão e 2,4 milhões de anos. “Eles são tão antigos quanto as primeiras ferramentas de pedra escavadas em Gona (Etiópia), datadas de 2,6 milhões de anos. Isso muda muita coisa, já que aprendemos, nos livros didáticos da faculdade, que as primeiras ferramentas de pedra estavam apenas na África Oriental (Etiópia, Quênia e Tanzânia)”, frisa o autor.

Os cientistas explicam que as ferramentas têm características semelhantes ao grupo Oldowan, um termo usado para se referir às primeiras tecnologias usadas pelos hominídeos durante o Paleolítico Inferior, na região africana. “A arqueologia Ain Boucherit, que é tecnologicamente similar ao Gona Oldowan, mostra que nossos ancestrais se aventuraram em todos os cantos da África, não apenas na região Oriental. As novas evidências mudam a visão anterior de que a África Oriental é o berço da humanidade. Na realidade, toda a África foi o berço da humanidade”, ressalta Sahnouni. 

Grandes carnívoros
Segundo o cientista, os ossos encontrados também revelam como os primeiros seres humanos massacravam as carcaças de animais. Trata-se de restos mortais de bovídeos e equídeos de tamanho médio, membros superiores e inferiores, seguidos por elementos craniais e axiais. “Isso entra em sintonia com o que estudamos sobre esse período, ou seja, era utilizada uma gama de ossos de animais distintos, como mastodontes, elefantes, cavalos, antílopes selvagens, porcos, hienas”, lista.

As descobertas no sítio da Argélia mostram ainda que os nossos ancestrais eram grandes carnívoros. “O uso efetivo de ferramentas de pedra de corte de faca afiada em Ain Boucherit sugere que os ancestrais não eram meros catadores. Não está claro, neste momento, se eles caçavam ou não, mas as evidências mostram claramente que eles estavam competindo com sucesso com outros carnívoros em busca de carne”, detalha Isabel Cáceres, tanatologista do projeto e uma das autoras do estudo.

O grupo dará continuidade à pesquisa, explorando o sítio de Ain Boucherit. “O próximo passo é procurar mais na área em busca de ferramentas de pedra e de fósseis dos fabricantes de ferramentas. Isso pode ser possível porque existem depósitos fossilíferos com ossos bem preservados na região”, conta Sahnouni.

Esferas misteriosas
Além dos pedaços de pedra com bordas afiadas, os pesquisadores encontraram, no sítio de Ain Boucherit, peças como pequenas esferas com formatos distintos, cuja função ainda não foi desvendada. Esse tipo de ferramenta foi encontrado de forma abundante no Norte da África, mas é menos conhecida na África Oriental. Os pesquisadores acreditam que a variação pode ser justificada pela descamação das matérias-primas usadas pelos Oldowan.

"As novas evidências mudam a visão anterior de que a África Oriental é o berço da humanidade. Na realidade, toda a África foi o berço da humanidade”
Mohammed Sahnouni, principal autor do estudo, arqueólogo e líder do Projeto Ain Hanech
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