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Estudo comprova a eficácia de remédio para tratar o mal de Chagas

Pesquisadores brasileiros atestam resultados do uso do benznidazol, droga padrão usada para combater a Doença de Chagas, em pacientes na fase inicial da enfermidade

Publicado em: 02/11/2018 11:15 | Atualizado em: 02/11/2018 11:19

Barbeiro, transmite a Doença de Chagas. Foto:Iano Andrade/CB//D.A Press
O benznidazol é o único medicamento usado para o tratamento da Doença de Chagas no Brasil. Porém, a droga, fornecida pelo serviço público de saúde, sempre levantou dúvidas na área médica em relação à eficácia. Para entender melhor a ação desse remédio, um grupo de pesquisadores brasileiros — de São Paulo e de Minas Gerais — avaliou seu efeito em mais de mil pacientes. Os cientistas observaram que aqueles que consumiram o composto logo na fase crônica (inicial) da doença apresentaram melhoras consideráveis após dois anos de tratamento. A descoberta foi publicada na última edição da revista americana PLOS Neglected Tropical Diseases.

Provocada pela exposição ao protozoário Trypanosoma cruzi, a Doença de Chagas é uma das principais causas de cardiopatia e morte na América Latina — estima-se que 5,7 milhões de pessoas estejam com essa enfermidade tropical nessa região. Apesar disso, poucos tratamentos existem e. entre as opções conhecidas, os benefícios terapêuticos específicos não são bem compreendidos. Em busca de mais dados, um grupo de cientistas brasileiros resolveu analisar os efeitos do medicamento benznidazol em pacientes. Apesar de ser a primeira escolha para o tratamento do Mal de Chagas, ele se mostrou pouco eficaz para cura de pacientes durante a fase crônica do problema de saúde.

No estudo, os pesquisadores analisaram 1.813 pessoas infectadas pelo parasita e compararam os resultados clínicos daqueles que receberam previamente tratamento com benznidazol com os que não tomaram o medicamento. “Esses pacientes estão na região norte de Minas Gerais, em Montes Claros, uma região endêmica da Doença de Chagas”, detalhou ao Correio Clareci Silva Cardoso, uma das autoras do estudo e pesquisadora da Universidade de São João Del Rei, em Minas Gerais. Financiado por um grupo de pesquisa norte-americano, o trabalho também contou com a participação de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Tínhamos como objetivo, principalmente, observar os marcadores de progressão da doença e ver se eles mudavam ao longo do tratamento”, complementou a especialista.

Benefícios

Os cientistas descobriram que os pacientes chagásicos tratados com benznidazol, ainda nos estágios iniciais da doença, apresentaram melhora nos resultados clínicos e parasitológicos após um período de dois anos de acompanhamento em comparação com o grupo não tratado. Eles observaram taxas baixas de mortalidade, menor contagem de parasitas e menor risco de doença cardíaca relacionada à Doença de Chagas. “Esse é um dos estudos mais abrangentes do tipo, que demonstrou um benefício clínico acentuado do benznidazol a longo prazo”, explicou Clareci Cardoso.

A pesquisadora enfatizou que os resultados são extremamente positivos, pois ajudam a desvendar uma dúvida antiga da área infectológica. “Esse medicamento apresenta muita divergência quanto ao seu uso, principalmente na fase crônica da enfermidade. Resolvemos comparar se o momento em que a medicação era usada faria diferença porque a maioria dos estudos foca apenas na efetividade do medicamento na fase aguda”, observou.

Outro ponto importante visto na estudo foi o número de mortes entre pacientes, ressaltou a autora. “Vimos uma baixa mortalidade. Além dessa evidência ser positiva, esse tipo de dado é importante, pois temos poucos registros de óbito relacionados a essa doença. Isso ocorre porque, geralmente, a causa de morte registrada é vinculada a problemas relacionados a essa enfermidade, como a cardiopatia”, citou Clareci Cardoso.

Novas análises

Segundo os autores, mais pesquisas são necessárias para desvendar informações referentes ao medicamento, como a dose adequada e a duração do tratamento. No entanto, apesar das limitações do estudo, os pesquisadores recomendam o uso de benznidazol para tratar a Doença de Chagas logo no estágio inicial da enfermidade. “Como existem milhões de pacientes com Doença de Chagas sem tratamento no mundo, e não existe previsão de novos remédios, é importante que todos os pacientes com essa enfermidade e sem cardiopatia avançada recebam benznidazol, especialmente aqueles com menos de 50 anos de idade”, frisou a autora do estudo. “Queremos continuar avaliando os marcadores de progressão da doença e também o impacto da enfermidade na qualidade de vida deles. Saber se esse medicamento continua eficaz mesmo depois de anos de uso”, acrescentou.

Para o infectologista Cleudson Castro, membro da Associação Médica de Brasília (AMBr), a pesquisa mostrou dados importantes em relação a um medicamento que é usado há anos, mas que sempre levantou dúvidas na área científica em relação a sua eficácia. “Esse remédio surgiu na década de 1970, porém, antes, ele não estava disponível pelo sistema de saúde. Infelizmente, essa é a única opção para tratamento de Chagas e, ainda assim, desconfiamos do seu poder de cura. Sabemos apenas que, quanto mais jovem a pessoa é, mais chances ela tem de melhoras”, destacou o especialista, que não participou do estudo. “Antigamente, tínhamos também outro medicamento, chamado de nifurtinox. Ele já foi vendido no Brasil, mas o benznidazol foi considerado menos tóxico, sendo o único a permanecer no mercado”, detalhou.O médico defendeu que a busca por medicamentos para Chagas é uma medida extremamente necessária. “Essa é uma doença que atinge pessoas mais pobres, por isso, essa falta de opções. Os laboratórios não se interessam pela venda desse tipo de medicamento por causa do público-alvo. Porém acredito que pesquisas como essa, desses cientistas brasileiros, podem contribuir para o surgimento de mais drogas”, frisou.

“Esse medicamento apresenta muita divergência quanto ao seu uso, principalmente na fase crônica da enfermidade. Resolvemos comparar se o momento em que a medicação era usada faria diferença porque a maioria dos estudos foca apenas na efetividade do medicamento na fase aguda”. Clareci Silva Cardoso, pesquisadora da Universidade de São João Del Rei.
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