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Cientistas investigam se a estrutura do cérebro influencia a escolha política de um indivíduo

Resultados de pesquisas mostram que a forma como os circuitos neuronais reagem a temas coletivos varia conforme a identidade partidária

Publicado em: 14/10/2018 09:28

A cada quatro anos, passado a Copa do Mundo de futebol, o brasileiro parece só ter olhos para um assunto deixado um tanto de lado no triênio anterior. Sai o esporte, entra a política. Se, na Copa, todos são técnicos, no período eleitoral surge um país de cientistas sociais que, se precisar, saem no tapa — real ou virtual — para defender candidatos e posicionamentos. Principalmente em tempos de polarização, divergências substituem as mensagens de “bom dia” nos grupos de Whatsapp, dividem famílias e acabam com amizades (provavelmente refeitas depois que se arrefece a euforia das urnas).

Essa paixão na época de decisões políticas não é exclusividade do país e chama a atenção de cientistas estrangeiros, que tentam compreender as bases biológicas das preferências do eleitor. Segundo estudos, a forma como o cérebro se comporta, ativando ou silenciando determinadas regiões, é tão importante quanto as raízes genéticas e sociais que definem ideologias. Nos Estados Unidos, onde pesquisas do tipo são mais comuns, neurocientistas já demonstraram, inclusive, que os circuitos cerebrais de democratas e republicanos respondem de forma bem diferente, quando os indivíduos são expostos a questões que envolvem valores e julgamentos.

As diferenças são “reais e significativas”, segundo Roger Norlund, neurocientista cognitivo da Universidade da Carolina do Sul que estudou o cérebro de 24 democratas e republicanos usando equipamento de ressonância magnética funcional. A máquina, não invasiva, mostra os padrões de atividade cerebral e é muito utilizada em pesquisas de comportamento. No caso do experimento de Norlund, o foco foi o sistema de neurônios-espelhos, distribuídos em várias partes do órgão e fortemente associados a laços sociais e emocionais.

Enquanto liam uma série de questões sobre assuntos, como aborto, pena de morte, cotas raciais, ajuda financeira aos sem-teto e controle de armas, entre outros, os cientistas observavam as respostas cerebrais dos participantes. Naqueles que se identificavam como democratas — posicionamento político mais liberal —, a atividade das redes de neurônios-espelhos eram maiores em áreas conectadas a laços sociais mais amplos, como amigos e o mundo como um todo. Já nos republicanos, as células neurais acendiam mais intensamente nas regiões ligadas a laços restritos, como família e país. “De alguma forma, essa é a confirmação de um estereótipo, segundo o qual democratas tendem a pensar mais globalmente, enquanto os republicanos tendem a ser americocêntricos”, diz o pesquisador.

Padrões neurais

Na Inglaterra, Darren Schreiber, pesquisador de neuropolítica da Universidade de Exeter, chegou a uma conclusão semelhante ao investigar funções cerebrais de norte-americanos autoidentificados como liberais ou conservadores. Em parceria com cientistas da Universidade da Califórnia em San Diego, Schreiber explorou os padrões neurais de 82 pessoas enquanto elas participavam de um jogo de apostas. O objetivo específico era checar o comportamento do cérebro em uma situação de tomada de decisões envolvendo risco.

De acordo com ele, enquanto democratas exibiam uma atividade maior na ínsula esquerda — região associada à autoconsciência e à consciência social —, o cérebro dos republicanos respondia mais na amígdala, uma parte envolvida com o sistema fuja ou lute, um mecanismo primitivo que, diante do perigo, como uma cobra, sinaliza para que a pessoa enfrente ou saia correndo.

“Isso sugere que os liberais e os conservadores passam por processos cognitivos diferentes quando pensam sobre os riscos de se tomar uma decisão. Inclusive, a atividade cerebral nessas duas regiões conseguiu predizer, sozinha, se uma pessoa era democrata ou republicana”, diz Schreiber. Segundo ele, o método obteve 82,9% de acurácia, contra 70% do que se tem quando são usados modelos tradicionais da ciência política. Para o inglês, inclusive, as revelações da neurociência podem pavimentar o caminho de novos tipos de pesquisa sobre comportamento de voto.

Fidelidade sob investigação

Além das preferências eleitorais, a neurociência investiga a fidelidade do indivíduo a um posicionamento. Um estudo recente da Universidade de Southern California fez uma descoberta que explica o motivo pelo qual tentar mudar as opiniões políticas do outro pode ter efeito contrário. Também com ajuda da ressonância magnética funcional, a equipe do psicólogo Jonas Kaplan visualizou a atividade cerebral de voluntários enquanto eram feitas afirmações neutras e, depois, políticas. Ouvir que “Albert Einstein foi o maior físico do século 20” não provocou alterações nos circuitos de neurônios, mas escutar contradições às crenças ideológicas estimulou reações turbulentas no cérebro.

Participaram do experimento 40 pessoas autodeclaradas liberais. Durante as sessões, elas tiveram acesso a oito declarações políticas e a oito não políticas. Os participantes alegaram acreditar em todas elas com a mesma intensidade. Depois, tiveram acesso a cinco ideias que contrariavam cada uma das 16 afirmações iniciais e precisaram reavaliar a força de suas crenças nas declarações originais usando uma escala de um a sete.

Os participantes praticamente não mudaram as crenças relacionadas a declarações políticas, como “As leis que regulam a posse de armas nos Estados Unidos deveriam ser mais restritivas”. Houve, porém, um enfraquecimento de um a dois pontos quando foram desafiados nos outros tópicos, por exemplo, ao ler uma frase que colocasse em xeque que Thomas Edison inventou a lâmpada.

Centro da ameaça

Pelos exames de imagem, a equipe descobriu que as pessoas mais resistentes a mudar de opinião política tinham maior atividade na amígdala e no córtex insular. “A amígdala, em particular, é conhecida por estar envolvida na percepção de ameaças e na ansiedade”, diz Kaplan. “O córtex insular processa os sentimentos do corpo e é importante para detectar o quanto um estímulo mexe com o emocional. Isso é consistente com a ideia de que, quando nos sentimos ameaçados, ansiosos ou emotivos, é menos provável que mudemos de opinião.”

Para Sarah Gimbel, coautora do artigo e pesquisadora do Brain and Creativity Institute, compreender quando e por que as pessoas mudam de ideia é um objetivo “urgente” da ciência. “Saber como e quais afirmações podem persuadir as pessoas a mudar suas crenças políticas pode ser fundamental para o progresso da sociedade”, justifica. Kaplan, porém, ressalta a dificuldade desse desafio. “Crenças políticas são como crenças religiosas, sendo que ambas são parte de quem é um indivíduo e importantes para o círculo social que ele frequenta. Portanto, para considerar uma visão política alternativa, a pessoa teria de considerar uma versão alternativa de si mesma.”

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