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Estudo

Pesquisa: composto de botox com opioide alivia dor crônica em uma aplicação

Composto formado pela toxina e um opioide alivia o desconforto em ratos após uma única aplicação. Segundo os criadores, a combinação não provoca dependência, um dos problemas do uso prolongado de substâncias como a morfina

Publicado em: 04/08/2018 15:35 | Atualizado em: 04/08/2018 15:37

Foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press (Foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)
Foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press (Foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)
O botox é famoso por ajudar a esconder as rugas provocadas pelo envelhecimento da pele. Pesquisadores americanos e ingleses modificaram essa substância em busca de benefícios bem distintos da estética: o alívio da dor crônica. Em experimentos com ratos, o fármaco reduziu significativamente a complicação. O estudo, detalhado recentemente na revista Science Translational Medicine, poderá ajudar no desenvolvimento de terapias mais eficazes que as usadas atualmente em humanos.

A equipe desconstruiu a molécula botulínica e a remontou com o opioide dermorfina, gerando um composto que foi batizado de Derm-BOT. No estudo, 200 ratinhos sofreram alterações que simularam as fases iniciais da dor inflamatória e neuropática humana. O tratamento consistiu em uma única injeção de Derm-BOT, que reduziu o desconforto.

A hipótese é de que o composto atingiu e silenciou os sinais de dor em neurônios presentes na medula espinhal das cobaias. São essas células nervosas que “sentem” diretamente a dor e enviam a informação ao cérebro. Os cientistas também notaram que uma única injeção reduziu a hipersensibilidade na mesma proporção que a morfina.

“Injetado na coluna vertebral, o Derm-BOT alivia a dor crônica e evita os eventos adversos de tolerância e dependência frequentemente associados ao uso repetido de drogas opioides”, destaca, em comunicado, Steve Hunt, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade da Califórnia. Segundo ele, o composto não afeta os músculos, como a toxina botulínica usada para reduzir as rugas. Ele bloqueia a dor do nervo por até quatro meses sem afetar as respostas normais à dor. “Realmente, poderia revolucionar a forma como a dor crônica é tratada”, ressalta.

Thaís Augusta Martins, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), explica que o botox impede que sejam liberados neurotransmissores, o que, para fins estéticos, provoca a paralisia de músculos. “A sua junção com esse opioide fez com que o alvo fosse direcionado aos neurônios que circulam a medula e estão relacionados à dor”, diz

Longa duração
Opioides como a morfina e o fentanil são o padrão atual para o alívio da dor, mas há poucas evidências sofre a eficácia do uso prolongado desses medicamentos. Isso porque o corpo vai acumulando uma tolerância a essas drogas. Além disso, elas podem ativar regiões de recompensa do cérebro, causando dependência. Mais de 2 milhões de americanos têm transtorno de uso de opioides, e a maioria iniciou o problema ingerindo analgésicos opiáceos prescritos por médicos.

“Precisávamos encontrar um medicamento que não causasse esse tipo de problema colateral. Esse sistema que criamos, semelhante a um lego molecular, permite a criação de analgésicos de longa duração amplamente desejados, sem os efeitos colaterais dos opioides”, explica Bazbek Davletov, um dos autores do estudo e pesquisador do Departamento de Ciências Biomédicas da Universidade de Sheffield, na Inglaterra.

Thaís Augusta Martins aponta outro procedimento adotado na pesquisa que a faz promissora para o uso em humanos. “Eles usaram uma dose pequena. Então, seria um ponto ainda mais positivo, com mais chances de não ter problemas de dependência”, diz a médica. A neurologista ressalta ainda que o tratamento da dor crônica merece atenção. “Entre 30% e 40% da população sofre com esse problema, que é caracterizado pela ocorrência de dor por mais de 30 dias. Os pacientes sofrem na escola, no trabalho e no aspecto social, não conseguem interagir. Há uma necessidade grande de mais tratamentos.”

Terapia também ajuda
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) pode ser uma valiosa alternativa no tratamento da dor crônica. Em artigo opinativo publicado no Journal of Psychiatric Practice, Muhammad Hassan Majeed, do Hospital Natchaug, e Donna M. Sudak, da Universidade de Drexel, ambos nos Estados Unidos, discutem evidências científicas recentes que apoiam o uso da abordagem para evitar ou reduzir o uso de opioides.

A dupla explica que a TCC ajuda pacientes a mudar a maneira como pensam e administram as dores. Com ela, é possível passar a entender o problema como um estressor. Dessa forma, o indivíduo consegue se adaptar para enfrentá-la. Treinamento de relaxamento, agendamento de atividades agradáveis, reestruturação cognitiva e exercícios guiados estão entre as intervenções que podem auxiliar nesse processo.

Apesar das evidências, os autores lamentam que a TCC e outros tratamentos não medicamentosos sejam subutilizados. “Existe a necessidade de uma mudança de paradigma de um modelo biomédico para um modelo biopsicossocial para o tratamento eficaz da dor e a prevenção do transtorno do uso de opioides. O aumento do uso da TCC como uma alternativa aos opioides pode ajudar a aliviar a carga clínica, financeira e social dos distúrbios da dor na sociedade”, escreveram.
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