Saúde pública Distrito Federal emitiu mais de dez mil receitas de inibidores de apetite em cinco meses Especialistas alertam para os perigos do uso indiscriminado dos medicamentos

Por: Roberta Pinheiro - Correio Braziliense

Publicado em: 30/07/2015 13:12 Atualizado em:

Até onde você iria para conquistar um corpo magro? Atividade física, dietas restritivas, tratamentos estéticos, cirurgia plástica e uso de remédios. Com os avanços tecnológicos, muitas são as opções. Mas também muitos são os riscos envolvendo exageros e falta de acompanhamento por um profissional qualificado. Este mês, a postagem da blogueira Marcella Di Donato, 24 anos, em uma rede social, reabriu a discussão em torno do uso de inibidores de apetite — ou anorexígenos. Durante cinco meses, ela incorporou o uso de alguns medicamentos, além de outros cuidados, ao processo de emagrecimento. Citou o nome do remédio no post e atiçou a curiosidade dos admiradores. Com mais 119 mil seguidores, a mensagem foi interpretada por alguns como uma sugestão de uso. No caso de Marcella, tudo foi receitado e acompanhado por uma médica. Mas nem sempre é assim. Apesar de não haver estimativa, a venda ilegal dessas substâncias ainda é uma perigosa realidade.

No Distrito Federal, de acordo com o Núcleo de Medicamento e Controle Especial da Subsecretaria de Vigilância à Saúde do DF, de janeiro a maio deste ano, foram emitidas 10.127 receitas do emagrecedor sibutramina. Em 2014, foram 20 mil notificações. A substância é a única com registro no Brasil, segundo informações da assessoria de imprensa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) (leia Entenda o caso).

A sibutramina, citada por Marcella, é  indicada no tratamento de obesidade e excesso de peso. Ela aumenta a sensação de saciedade. “É um remédio de uso rotineiro para quem é endocrinologista. Como toda droga, pode ter efeito colateral, mas, se bem aplicada, pode ser satisfatória. O paciente, porém, tem que ter a indicação de uso e não pode ter as contraindicações, como já ter sofrido derrame ou infarto”, explica o endocrinologista Neuton Dornelas Gomes, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Especialistas alertam, porém, que os inibidores de apetite não devem ser vistos como um caminho fácil para o emagrecimento. Para o nutricionista esportivo Claiton Camargos, as medicações precisam ser entendidas como coadjuvantes do processo, com supervisão médica. Além disso, em processos bruscos, o corpo estoca gordura para se proteger, o que pode provocar o aparecimento de uma doença no longo prazo. “A estética pode até ser uma motivação, mas ela vem a reboque. A preocupação principal tem que ser com a saúde.” A psicóloga comportamental cognitiva Adriana Lemgruber alerta sobre os cuidados ao se usar essas substâncias. “Já atendi  vários pacientes que chegaram ao consultório com efeitos colaterais de dependência das substâncias e ansiedade muito alta.” Para ela, emagrecer é um processo, que envolve terapia comportamental para combater a compulsão.

Neuton Gomes ressalva ainda que é preciso tomar cuidado com as combinações de medicamentos. “Não é recomendado usar a sibutramina com outros remédios que também atuam no sistema nervoso.” E alerta que, antes de qualquer prescrição, os profissionais precisam preservar a qualidade de vida do paciente. Os especialistas afirmam que é fundamental procurar a causa do problema e identificar o perfil de vida e alimentar do paciente. “A obesidade e o excesso de peso têm ‘n’ causas e, logo, ‘n’ maneiras de tratar. Toda substância usada na hora certa, pelo motivo certo, com o profissional certo e na quantidade certa é boa”, declara o nutrólogo e membro da Sociedade Brasileira de Nutrologia Dimitri Gabriel Homar.

Uso responsável
A blogueira Marcella sempre foi magra. No entanto, em 2014, no meio de uma mudança de cidade, ganhou 10kg. “Procurava nutricionistas, tentava fazer dietas, mas não conseguia. Não comia mal, mas comia tudo em grandes quantidades, por mais que fosse algo saudável. Meu corpo foi se acostumando e, como não perdia peso, fui desmotivando.” 

Motivada pela chegada do casamento, com medo de ter herdado da mãe algum problema na tireoide e com a balança indicando 65,5kg, em janeiro, ela buscou um endocrinologista. “Falei que minha amiga já tinha tomado remédio e, se ela (médica) achasse necessário, não via problema.” Após exames, descobriu que estava com 39 kg/m² de Índice de Massa Corporal (IMC) — de acordo com a Anvisa, a sibutramina pode ser usada em pacientes com IMC igual ou maior a 30. Marcella começou a tomar o remédio e um redutor de absorção de gordura. Com um mês, voltou ao consultório com sintomas de nervosismo, um dos efeitos colaterais da substância, e foi medicada com antidepressivo.

Associado aos remédios, fazia atividade física quatro vezes na semana e também tratamentos estéticos. Marcella reconhece que, ao comentar sobre o uso de inibidores de apetite nas redes sociais, toca em um assunto polêmico.  “Com saúde, não se brinca. Como figura pública, seria desleal esconder como emagreci. Preferi falar a verdade, mas ressaltando que é importante buscar um médico e os cuidados corretos.” A blogueira conta que desde que começou a postar o dia a dia da dieta recebeu milhares de mensagens das seguidoras. “Mas eu nunca passo a dieta ou as receitas. A minha dieta foi feita para mim, assim como o remédio.” Hoje, a jovem de 1,62m de altura pesa cerca de 50kg.

A Anvisa criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC). O último relatório, feito entre 2009 e 2011, revelou que o consumo de anorexígenos teve uma elevação em Brasília — tida como a décima capital no uso de inibidores de apetite. Vitória é a primeira e Goiânia, a segunda. O relatório identificou que, quando ocorre um aumento médio de 1% na população de adultos obesos, há redução média de 8,2% no consumo de inibidores. 


Entenda o caso

Resoluções polêmicas

Em 2011, a Anvisa publicou a Resolução nº 52, que proibia a produção, a manipulação, a venda e o uso de inibidores de apetite que tivessem na fórmula anfepramona, femproporex e mazindol, assim como seus sais, isômeros e intermediários. A resolução também estabelecia medidas de controle para a prescrição de sibutramina. O documento vigorou até 2014. Em setembro do ano passado, o Senado Federal aprovou a proposta, de autoria do deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), que suspende a proibição da Anvisa. A decisão do Congresso foi celebrada por entidades médicas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM). Na avaliação da entidade, permitir apenas um inibidor prejudica os obesos mórbidos, que não conseguem emagrecer apenas com dietas e exercícios. Além disso, o CFM acredita que a antiga resolução ia contra a autonomia do médico e do paciente e ainda incentivava o mercado informal.

Dias após a decisão do Senado, a Anvisa aprovou uma nova resolução  (RDC nº 50/2014), que normatiza o tema. Ela prevê que as empresas interessadas em comercializar medicamentos contendo mazindol, femproporex e anfepramona deverão requerer novo registro. As farmácias, por sua vez, só poderão manipular as substâncias quando houver algum produto registrado na Anvisa. “Quando as substâncias tiverem registro, tanto o produto manipulado quanto o produto registrado, passarão a ter o mesmo controle da sibutramina.” Isso quer dizer que também serão exigidas retenção de receita, assinatura de termo de responsabilidade do prescritor e do termo de consentimento pós-informação por parte do usuário.


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