CORONAVIRUS

Estudante diz ter sofrido racismo por usar máscara de proteção contra coronavírus

Por: FolhaPress

Publicado em: 09/04/2020 21:52

O incidente aconteceu numa das unidade das Lojas Americanas de São Gonçalo, no Rio de Janeiro (Foto: Divulgação)
O incidente aconteceu numa das unidade das Lojas Americanas de São Gonçalo, no Rio de Janeiro (Foto: Divulgação)
Um estudante negro de 21 anos diz ter sido abordado com gritos na tarde desta quarta (8), numa unidade das Lojas Americanas de São Gonçalo, cidade da região metropolitana do Rio, por estar vestindo capuz e máscara de proteção por causa da pandemia de coronavírus.

O Ministério da Saúde passou a recomendar o uso de máscaras de pano contra o novo coronavírus como uma alternativa para garantir proteção e diminuir a corrida por máscaras cirúrgicas, assegurando a oferta a profissionais de saúde.

Aluno do curso de relações internacionais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Carlos Paulo Falcão chegou a tentar registrar o ocorrido como injúria racial, mas a denúncia foi cancelada pela delegacia de polícia.

O estudante conta que foi até a loja para fazer compras usando moletom com capuz, uma durag (bandana) e uma máscara para se proteger contra o contágio da Covid-19. Um vigilante o abordou, dizendo que era proibido o uso de capuz no estabelecimento. Após perguntar qual lei proibia a utilização da peça, outro segurança entrou no local e, segundo Falcão, gritou para que tirasse o capuz. "Eu acho que essa abordagem seria diferente se eu fosse um cliente branco", afirma o estudante.

De acordo com a lei estadual nº 6.717, de 2014, a utilização de qualquer tipo de cobertura que oculte a face é proibida em estabelecimentos comerciais. O texto diz que bonés, capuzes e gorros não se enquadram na proibição, desde que não escondam o rosto.

Em nota, porém, a Lojas Americanas afirma que a conduta foi baseada nessa mesma lei. "A gerência da loja informou que o rapaz estava com máscara protetora do coronavírus e um casaco com capuz, ou seja, com o rosto e a cabeça coberta. O segurança da loja solicitou, na entrada da loja, que ele retirasse o capuz com base na lei 6.717/14, ele se recusou e entrou na loja. O segurança do shopping onde está localizada a loja 5228, em Alcântara, RJ, entrou na unidade e pediu, novamente, que ele retirasse o capuz ou saísse da loja. A companhia não pratica e coíbe qualquer tipo de discriminação contra etnias dentro de suas lojas", diz o comunicado.

Após sair da loja constrangido, o jovem fez um registro de ocorrência, mas um e-mail enviado pelo 72º Departamento de Polícia, algumas horas depois, informou que o registro havia sido cancelado, com a justificativa de que "não é fato policial". Procurada pela reportagem, a Polícia Civil do Rio disse que aguardava informações da unidade para esclarecer o motivo do cancelamento da ocorrência.

Falcão, que relatou o caso em seu perfil em uma rede social, diz acreditar que a situação se deveu mais à máscara do que ao capuz. "Em tempos de coronavírus, a máscara para preto é um problema sério. Os seguranças querem ver a cara da gente, para onde estamos indo e o que estamos comprando", afirma.

A questão vem sendo discutida em outros lugares. Nos EUA, o educador Aaron Thomas, de Columbus, no estado de Ohio, fez um post que viralizou, com mais de 120 mil curtidas, contando por que não usaria máscaras de pano, cujo uso passou a ser recomendado também pelos EUA na semana passada, em meio ao aumento de mortes e contaminações pelo novo coronavírus.

"Não me sinto seguro usando um lenço ou algo que não seja CLARAMENTE uma máscara de proteção no meu rosto num mercado, porque eu sou um homem negro vivendo neste mundo", afirma. "Quero ficar vivo, mas também quero ficar vivo."

Na região central de São Paulo, um voluntário negro do projeto Sobrevivendo ao Coronavírus, que distribui cestas básicas para famílias de região periférica, foi abordado no último sábado (4) de forma agressiva pela polícia, segundo a produtora Andreza Delgado, que participa do projeto. "O policial estava bastante alterado e fez ele tirar a máscara", conta ela.

A professora Maria de Fátima Peixoto, 48, de Campo Grande (RJ) diz que teme o uso da peça, por poder ser usado para criminalizar pessoas negras. "Os negros não têm o direito de ter as mesmas dores que os brancos. A gente não poderá usar a máscara de proteção sem ser ridicularizado ou colocado como suspeito de crime", diz ela, que relata que um dos seus dois filhos foi parado durante uma blitz policial quando tinha 16 anos. Viajando em uma van, o jovem foi o único retirado do veículo e revistado pela polícia.

Para Pablo Nunes, coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios de Segurança Pública, ter orientações bem definidas e alinhadas por governo e ministério ajudaria na redução de casos de racismo. "A unificação nas orientações para a prevenção contra o coronavírus cria um ponto central. Com isso, você sabe onde recorrer em casos de violação de direitos humanos", avalia.

A diretora executiva da Anistia Internacional, Jurema Werneck, ressalta a importância da prevenção. "O racismo vai acontecer de diferentes formas, e um jovem negro usando ou não máscara para se proteger da epidemia estará vulnerável. Por isso que digo que temos que lutar sempre. Angela Davis diz que cuidar da saúde é um ato político."

O ativista e influenciador digital AD Júnior diz que esse momento vai levantar um debate na sociedade sobre o olhar para negros com desconfiança. "Essa será uma discussão que deverá ser aprofundada, pois trata de uma estrutura que sempre enxergou o negro nesse lugar. Depois dessa crise, é preciso discutir a existência de dois Brasis funcionando, com dois pesos e duas medidas."
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