° / °

Brasil
LUTO

Poeta e letrista Jorge Salomão morre aos 73 anos

Publicado: 07/03/2020 às 15:29

/Foto:

/Foto:

O poeta, performer e compositor Jorge Salomão morreu aos 73 anos neste sábado (7), no hospital Miguel Couto, no Rio de Janeiro. Há três semanas, no Instituto Estadual de Cardiologia, Salomão sofreu um infarto e implantou três pontes de safena.

Depois de superar uma pneumonia e um quadro de insuficiência renal, não sobreviveu a uma infecção.

Nascido em Jequié (BA), em 1946, Jorge concluiu os estudos secundários em Salvador, onde já residia seu irmão, Waly Salomão.

Na capital baiana, ingressou na faculdade de filosofia e ciências sociais, mas se decidiu pela Escola de Teatro, lançando-se diretor com as peças "A Alma Boa de Setsuan", de Bertolt Brecht, e "O Macaco da Vizinha", de Joaquim Manuel de Macedo.

Em 1969, migrou para o Rio e aprofundou seus vínculos carnais e espirituais com a contracultura. Em Ipanema, no florescimento do desbunde e à margem da repressão da ditadura, Jorge fez o verão das dunas do barato com Gal Costa, Waly, José Simão e Torquato Neto.

Colaborador do show "Fa-Tal", de Gal, ele dirigiria "Luiz Gonzaga Volta Pra Curtir" em 1972. Amigo de Dedé e Caetano, esteve vinculado às agitações tropicalistas desde a juventude.
 
O artista plástico Hélio Oiticica - seu grande chapa no período em que residiu em Nova York, a partir de 1977 - celebrou a amizade no filme "Brasil Jorge, Homenagem a Jorge Salomão".

No cinema, o poeta atuou em "A múmia volta a atacar", de Ivan Cardoso, e "Perigo Negro", de Rogério Sganzerla. Sua estreia literária aconteceu na revista "Navilouca", criada por Waly e Torquato, mas seu primeiro livro veio somente aos 47 anos: Mosaical, de 1994.

Daí em diante os intervalos se fizeram menores: "O Olho do Tempo", de 1995, "Campo da Amerika", de 1996, "Sonoro", de 1998, "Conversa de Mosquito" e "A Estrada do Pensamento", de 2011, "Alguns poemas e %2b alguns", de 2016. Em 2019, suas obras completas foram reunidas num só volume, "7 em 1", lançado pela editora Gryphus.

Apesar dessa trajetória, dizia-se mais malabarista do que poeta. "É que Jorge é um poeta-malabarista: um malabarista enquanto poeta e um poeta enquanto malabarista", observou o escritor Antonio Cicero na orelha de "Alguns poemas".

Jorge Salomão cumpriu a vocação poética numa vida de zíngaro, quase sempre sem dinheiro, entre hotéis e pensionatos, com a alegria no volume máximo. "Sou tomado por ímpetos dionisíacos e nunca vou trair esse espírito", ele repetia em Salvador, no verão deste ano.

Nos anos 80, Salomão virou letrista de sucessos radiofônicos como "Noite" e "Pseudo-blues", gravadas respectivamente por Zizi Possi e Marina Lima, ambas compostas com Nico Rezende.
 
Além dessas, fez a letra de "Sudoeste", com Adriana Calcanhotto, e "Natureza Humana", versão de "Human Nature", hit de Michael Jackson vertido para o português em sua única parceria com Waly.

Nos últimos meses, Salomão acompanhou as gravações de seu álbum "Poéticas", a ser lançado este ano pelo Selo Sesc-SP, com produção de Luiz Nogueira e direção musical de Mário Gil.

Artistas como Wanderléa, Frejat, Renato Braz, Zeca Baleiro, Monica Salmaso e Jussara Silveira, entre outros, participam do disco festivo. Em 2007, gravara o álbum "Cru Tecnológico" (Biscoito Fino).

Um dia antes da cirurgia cardíaca, equilibrando no peito os cristais espalhados por seu filho, João, que veio de Nova York para acompanhá-lo, Salomão leu um poema escrito no leito do hospital Souza Aguiar, onde se internou pela primeira vez: "Tem horas que me camuflo/ Tem horas que sou molusco/ Tem horas que nada sei/ Tem horas que sou Man Ray".

Suas maiores admirações artísticas eram Bertolt Brecht, Andy Warhol, Maria Callas, Allen Ginsberg, Glauber Rocha e Caetano Veloso, que o homenageou em "O Conteúdo": "E por isso eu canto essa canção - Jorge Salomão". Por trás de "Jeca Total", de Gilberto Gil, estava ainda o baiano de antenas inquietas.

Mas a síntese veio de voz própria, no hospital: "Tem horas que nada pareço, sem chão nem teto/ Tem horas vários retratos/ Tem horas que sou possível/ Tem horas escuridão". Deixa um filho, o artista plástico João Salomão.
Mais de Brasil