RACISMO

'Você que é negro não pode deixar passar', diz taxista discriminado em BH

Publicado em: 06/12/2019 12:27

Luis Carlos Alves Fernandes, de 51 anos, está há 16 na profissão de taxista. (Foto: Marcos vieira/EM)
Luis Carlos Alves Fernandes, de 51 anos, está há 16 na profissão de taxista. (Foto: Marcos vieira/EM)
“Quero Justiça. E  você que é negro não pode deixar passar. É preciso denunciar. Aconteceu comigo hoje, mas se eu não tivesse denunciado, poderia ocorrer com você amanhã.” Foi o que disse o taxista Luis Carlos Alves Fernandes, de 51 anos, que foi vítima de discriminação racial e aguardava ansioso a decisão do delegado sobre o crime: injúria racial ou racismo. Natália Gomes, de 36, afirmou ao motorista que não andava com negros. Ao ser questionada sobre a declaração, teria dito que era racista e depois cuspido no pé do agredido.

Segundo a Polícia Militar, as agressões prosseguiram na delegacia, onde a acusada chamou uma sargento de “sapatão”. E não se trata de um crime isolado: a discriminação e o desrespeito seguem marcando presença em Continua depois da publicidade

Minas Gerais, que registra a média de praticamente um caso de injúria racial por dia – considerados apenas episódios que se transformam em queixa oficial.

Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) mostram que foram registradas nada menos que 221 ocorrências desse tipo nos primeiros nove meses do ano. O novo caso ocorreu na tarde de ontem. Segundo o registro policial, o taxista Luis Carlos Alves Fernandes, há 16 anos na profissão, estava parado na Avenida Álvares Cabral, em frente ao prédio da Justiça Federal.

Ele teria presenciado a mulher, identificada como Natália Gomes, se aproximando com um idoso e aparentemente procurando um táxi. Segundo o motorista, ele se dirigiu à mulher para perguntar se precisava do serviço. Segundo relato da vítima que consta do boletim de ocorrência, no momento ele foi interrompido pela mulher, que teria dito: “Precisando de um táxi estou mesmo, mas não ando com negros”.

O taxista disse que questionou se a mulher sabia que estava cometendo um crime. Nesse momento ela respondeu, segundo o relato do condutor: “Não gosto de negro mesmo. Sou racista”. E cuspiu no seu pé, contou ele. Ela chegou a entrar em um dos táxis, mas foi impedida de seguir com a corrida. A vítima narrou que todos ficaram muito revoltados e tentaram agredi-la. Entretanto, a polícia chegou muito rápido. "Até então, ela estava muito calma. Ela se exaltou ao chegar à delegacia, onde precisou ser algemada", completou.

De acordo com a PM, quando os militares chegaram ao local, a mulher os ignorou. Acabou sendo conduzida para a Delegacia Adjunta ao Juizado Especial Criminal (Deajec). Mesmo detida, segundo o boletim de ocorrência, a mulher continuou exaltada. De acordo com a PM, uma sargento pediu para ela se sentar na delegacia. Como resposta, foi chamada de “sapata”.

Impunidade
O taxista conta que exerce a profissão há 16 anos como taxista e nunca havia sofrido nenhum tipo de preconceito, mas agora está revoltado. Segundo a vítima, desde o primeiro momento, a mulher foi muito arrogante e tinha certeza da impunidade. "Ela achou que diria o que disse e sairia impune. Disse que o pai é delegado e repetia 'você não sabe com quem está falando'". Luis Carlos ainda disse que é importante ficar atento: “O racismo não está só nas palavras usadas pela mulher. Pode ser muito sutil, mas precisamos denunciar”, disse o homem, que espera que o caso seja classificado como racismo.

Dados da Sejusp mostram que os casos de injúria racial vêm se mantendo em patamares altos nos últimos anos. De janeiro a setembro deste ano, foram 221 registros. No mesmo período do ano passado, foram 230 ocorrências, e o mesmo número registrado no estado nos primeiros nove meses em 2017. Em relação aos crimes de racismo, o total de casos registrados em 2017 foi de 173. O número recuou para para 112 em 2018 e entre janeiro e setembro deste ano ficou em 73.

O advogado de Natália e a irmã dela, que estavam na delegacia, não conversaram com a reportagem do Estado de Minas e disseram que responderiam durante o processo. Até o fechamento desta edição, Luís e Natália estavam sendo ouvidos pelo delegado da Polícia Civil da Central de Flagrantes. O delegado definirá se a mulher responderá por injúria ou por racismo.

Casos de repercussão
Pelo menos outros três casos de injúria tiveram grande repercussão nos últimos meses em Belo Horizonte e região metropolitana. Em 15 de novembro, um homem foi preso em Betim ao se referir a um taxista como “aquele pretinho ali”, segundo consta no boletim de ocorrência da Polícia Militar. A declaração ocorreu na presença de militares e outras testemunhas. O acusado, de 61, foi autuado em flagrante pelo crime, pagou fiança e foi liberado.

O passageiro de um táxi e o condutor, de 39, estavam em uma discussão sobre o preço de uma corrida quando a PM foi acionada. Em conversa com os policiais militares, o passageiro, Celso Serafim de Cássia Rezende, afirmou, segundo consta no boletim de ocorrência, que pediu uma corrida para Esmeraldas. O taxista aceitou e teria dito que a viagem ficaria em R$ 80. O homem, então, tentou negociar e perguntou se podia ser feito por R$ 60.

Nesse momento, segundo apurações da PM, o taxista teria dito a Celso que fosse a pé, o que deu início a uma discussão. Os militares foram até o local onde acontecia a briga e, durante os levantamentos do caso, flagraram Celso se referindo ao taxista de maneira discriminatória. Diante disso, o homem recebeu voz de prisão por injúria racial e foi encaminhado à delegacia.

Na capital, um processo seletivo divulgado por duas empresas é investigado pois, ao divulgar vagas para cuidadores de idosos, a descrição dos pré-requisitos trazia a condição de que as candidatas não fossem “negras ou gordas”. Uma das excluídas foi Elisângela Lopes, de 41, que tem quatro anos de experiência profissional. “Não vou me calar”, disse, em entrevista ao Estado de Minas.

Outro caso ocorreu durante o último clássico entre Cruzeiro e Atlético pelo Campeonato Brasileiro. Após o empate por 0 a 0, as arquibancadas do Mineirão viraram uma praça de guerra, onde torcedores se ofendiam e se atacavam, enquanto seguranças tentavam contê-los. Em meio à confusão, Adrierre Siqueira da Silva se dirigiu ao segurança Fábio Coutinho com menosprezo e disse: “Olha a sua cor”.

O irmão de Adrierre, Nathan Siqueira da Silva também é acusado decometer injúria racial. Segundo a polícia, o torcedor chamou Fábio Coutinho de “macaco”. Ambos foram indiciados pela Polícia Civil e podem receber penas de um a quatro anos de reclusão, além de multa, com base no artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal.

Injúria racial
A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. De acordo com o dispositivo, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima.

Racismo
O crime de racismo, previsto na Lei 7.716/1989, implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor.

A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros.
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