ESTUDO

Maior parte do desmatamento da Amazônia no Mato Grosso é ilegal

Por: FolhaPress

Publicado em: 11/12/2019 22:48

 (Foto: Leonardo Milano ICMBio)
Foto: Leonardo Milano ICMBio
A maior parte do desmatamento no estado de Mato Grosso (MT) é ilegal, segundo estudo feito pela ONG ICV (Instituto Centro de Vida) com base nos dados anuais de desmatamento recentemente divulgados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

No estado, 85% do corte de árvores entre agosto de 2018 e julho 2019 não tinha autorização. O Mato Grosso é o segundo estado que mais desmatou a Amazônia no período depois do Pará.

Para fazer a análise, o ICV cruzou os dados de desmatamentos autorizados no estado de Mato Grosso, as imagens de satélite usadas no Prodes (Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite) e os dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural). Todo proprietário é obrigado a cadastrar o seu imóvel rural no sistema.

As informações do Prodes mostram que a destruição no bioma no período cresceu 29,5% em relação aos períodos anteriores (agosto de 2017 e julho de 2018). O aumento -o maior desde 1998- garantiu o recorde de desmate na década, com 9.762 km² destruídos.

Os dados analisados pelo ICV também mostram que mais da metade (56%) do desmatamento ocorreu em áreas cadastradas no CAR. Segundo Alice Thuault, diretora adjunta do ICV, isso mostra que os proprietários apostam na falta de punição. "As pessoas estão desmatando sabendo que o estado tem o CPF delas e, mesmo assim, apostam que eles vão em algum momento se beneficiar de algum cenário político, de uma possível anistia", diz.

Ambientalistas e pesquisadores costumam associar a falta de punição a aumentos no desmatamento. Um exemplo costumeiramente citado é a anistia a desmatadores concedida pelo Código Florestal de 2012. O tema foi bastante contestado e chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal), que, em 2018, considerou constitucional a anistia a quem desmatou antes de 2008. Segundo a ONG Imazon, o perdão equivale a 41 milhões de hectares desmatados, área maior do que o dobro do estado do Paraná.

Chama a atenção também que a maior parte (55%) dos desmatamentos em imóveis no CAR estão em grandes propriedades, com mais 1.500 hectares, seguidas pelas médias (28%). O estudo mostrou que os maiores desmatamentos estão concentrados nas grandes propriedades.

Em geral, desmates com mais de 50 hectares correspondem a 66% das áreas destruídas, e os com mais de 200 hectares são 34%. Nos imóveis privados, 82% dos desmates são superiores a 50 hectares.

Tais desmatamentos de maiores proporções podem ser facilmente detectados pelos satélites de monitoramento. O Deter (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real), que é usado para ajudar no direcionamento de ações do Ibama, detecta desmates acima dos 3 hectares.

A concentração em imóveis rurais maiores e o tipo de desmatamento, segundo Thuault, mostram o potencial econômico dos que destroem a Amazônia, considerando-se que a própria derrubada requer gastos elevados.

Além disso, os dados da análise do ICV vão de encontro ao discurso adotado por membros do governo Jair Bolsonaro.

O ministro Ricardo Salles (Ambiente), quando confrontado com os dados do desmatamento, costuma associar a ilegalidade a pequenos proprietários e à falta de oportunidades na região.

"É necessário ter uma estratégia que perdure, que faça com que o desmatamento ilegal venha diminuindo ano a ano e, por outro lado, dê essa opção para as pessoas terem fontes de sobrevivência. A pessoa passe a ter emprego, renda", disse Salles em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo e ao UOL. "Oportunidade de emprego, de renda. Se você não dá alternativa econômica para essas pessoas trabalharem, elas serão facilmente cooptadas por atividades ilegais."

O presidente Bolsonaro também chegou a afirmar que a destruição não pode ser contida porque o desmatamento é uma questão cultural, o que foi reafirmado por Salles.

"Há uma questão cultural relativa a abertura de áreas para o plantio. Faz parte da dinâmica da produção no Norte do Brasil, até porque tem baixa tecnologia de produção agrícola."

A análise do ICV mostra que o 74% do desmatamento ilegal se
concentrou em 1.065 imóveis do estado de Mato Grosso, pouco mais de 1% das propriedades cadastradas.

Salles e Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários, também chegaram a citar indígenas ao tentar explicar o desmatamento. Os dados do Prodes para a Amazônia matogrossense mostram que somente 1,1% do desmate no estado ocorre em terras indígenas.

A análise do desmatamento ilegal pela ONG só é passível de ser feita, até o momento, em Mato Grosso. O estado disponibiliza dados abertos e georreferenciados em relação a imóveis registrados no CAR e autorizações de desmatamento.

Outro lado
Procurado pela reportagem, a Sema-MT (Secretaria de estado de Meio Ambiente) atribuiu o desmatamento à valorização do dólar (o que aumentaria a pressão nas fronteiras agrícolas), a "problemas sociais ligados à regularização ambiental dos assentamentos e especulações fundiárias".

Segundo a Sema-MT, o controle e o combate ao desmatamento têm sido aprimorados. A secretaria cita como exemplo a contratação de monitoramento por satélite pelo empresa Planet. Também afirma que o estado busca fortalecer "cadeias produtivas sustentáveis para valorização da floresta em pé".

A secretaria diz ter aplicado, até julho, mais de R$ 380 milhões em multas e embargado mais de 70 mil hectares. Segundo a Sema-MT, o ano deve fechar com "mais de R$ 700 milhões em autos de infração por crimes contra a flora, mais que o dobro dos autos lavrados em 2018".

A pasta também enviou dois links para notas publicadas no site do estado.

Uma delas, sem citar diretamente o aumento do desmate no estado atestado pelos dados mais recentes do Inpe, afirma que taxa de destruição está controlada e que o MT não atingiu os 1.788 km² de destruição -taxa que faria com que financiamentos internacionais para o estado fossem interrompidos. O desmatamento em MT alcançou 1.685 km².

A outra nota fala sobre atividades de representantes do estado na COP-25 (Conferência do Clima da ONU), que teriam defendido "a inclusão social e melhoria de qualidade de vida da população que vive na Região Amazônica".
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