Investigação

Máfia de creches terceirizadas de SP é suspeita de desviar verba de comida

Publicado em: 12/09/2019 22:47

Creche em São Paulo - Créditos: Google Maps.
Organizações sociais responsáveis pelas creches conveniadas da Prefeitura de São Paulo são suspeitas de desviar verbas e terem "donos" que mantêm padrões de vida de magnata, apontam investigações da Polícia Civil. 
A polícia realizou, nesta quinta-feira (12), a operação Misantropia, com cumprimento de mandados de busca e apreensão em 16 endereços ligados aos suspeitos de chefiarem uma possível máfia das creches municipais. 
O grupo é suspeito de crimes como apropriação indébita, peculato, formação de quadrilha e ocultação de patrimônio. 
Durante a operação, a polícia apreendeu documentos, computadores, carros e até armas. Uma delas, com a numeração raspada, causou a prisão da mãe de um suspeito. 
De acordo com o pedido feito à Justiça, "as investigações até então encendradas levam a fortes indícios de que há formação de uma organização criminosa, voltada a constituição de empresas de fachada para o fim de desviar e se apropriar de verbas públicas, especialmente as destinadas ao custeio de creches conveniadas à PMSP [prefeitura] e pagamento dos respectivos encargos". 
A peça narra ainda que as entidades "passaram não somente a desviar recursos públicos em espécie mas também prestam-se a desviar gêneros alimentícios enviados pela PMSP". 
Entre os locais que tiveram mandado de busca autorizado pela Justiça estão duas creches, a CEI Egídio Corsi, em Cidade Tiradentes, e a CEI Lucia Prestes, na Vila Zefira, ambas na zona leste.
A ação, realizada por policiais do 10º Distrito Policial (Penha), é concentrada em um grupo responsável por cerca de 20 creches da região leste. 
A investigação também usou como base informações de reportagens da Folha de S.Paulo, sobre ação política nas creches e possíveis brechas na distribuição de alimentos. 
Com novas fases previstas, o grupo chefiado pela delegada Ana Lucia Souza deve esmiuçar as irregularidades nas entidades terceirizadas de toda a cidade, responsáveis pela maioria das vagas de creche disponibilizadas pelo município –280 mil das 340 mil vagas para crianças de zero a três anos. 
A operação começou após uma denúncia de desvios de valores de FGTS e INSS de funcionários e de falsificação de guias entregues à prefeitura. Os casos viraram diversos processos trabalhistas, em que a prefeitura pode acabar sendo responsabilizada e sofrendo prejuízo pelo rombo. 
O acúmulo de processos com dívidas de centenas de milhares de reais chamou a atenção da escrivã do caso, Patrícia Marcomini, que passou a ouvir ex-funcionários das empresas que processaram as entidades e acabou encontrando indícios da ação criminosa mais abrangente. 
Em um dos casos, por exemplo, uma funcionária relatou desvio de alimentos de uma unidade. A comida era colocada em sacos pretos levados em um veículo, "fazendo assim a subtração desses alimentos destinados à creche".  
O caso teria se dado em uma das seis creches administradas pela Associação Águas Marinhas, cujo presidente é Jean Gonçalves do Amaral. A mãe dele, Magali Gonçalves, teria dado a ordem para o desvio dos alimentos, disse a testemunha.  
Em julho, a gestão Bruno Covas (PSDB) suspendeu o funcionamento de cinco creches administradas pela Águas Marinhas, por uma série de irregularidades. Na ocasião, algumas mães relataram comida racionada na unidade.  
Magali também é dona de uma empresa de construção que teria sido usada para prestação de serviços nas unidades infantis, aponta a investigação. Ela é ex-sócia do suspeito de ser o grande articulador do grupo, Leonardo Moreira Corsi, na papelaria Amaral e Tolentino –o nome da empresa é o mesmo de uma das creches administradas pela Associação Águas Marinhas. 
Ex-presidente de duas ONGs responsáveis por creches, a Associação Anjinho de Deus e a Mulheres da Cidade Tiradentes, Corsi vive em um luxuoso condomínio no Jardim Anália Franco (zona leste de SP), um dos endereços vasculhados. 
A apuração policial também constatou que, direta ou indiretamente, ele seria proprietário de ao menos seis carros, entre eles um Porsche, uma Mercedes e uma BMW. 
Investigadores que acompanharam o dia a dia dele verificaram que o padrão de vida do suspeito é muito mais alto do que propiciaria a renda de alguém que atua em pequenas empresas e em ONGs. 
Ele é sócio de empresas que são potenciais fornecedoras das creches –além da papelaria, um escritório de contabilidade e uma empresa de alimentos.  
Esta última foi criada em abril de 2018, quando já se falava dentro da prefeitura sobre a possibilidade de passar a enviar o dinheiro para que as entidades terceirizadas comprassem os alimentos, medida efetivada neste ano.  
A reportagem procurou os alvos da operação em diversos telefones das entidades e empresas investigadas, mas não os localizou nesta quinta. 
Gestão Covas afirma que vai descredenciar OSs investigadas
A gestão Bruno Covas (PSDB) afirmou que descredenciará as entidades investigadas sob suspeita de fazer parte de uma máfia das creches terceirizadas em São Paulo. 
O secretário municipal de Educação, Bruno Caetano, afirmou que a partir da próxima segunda-feira (16) novas entidades devem gerenciar as unidades. 
As organizações sociais administradoras de creches investigadas são as associações Águas Marinhas, a Criança de Deus, Mulheres da Cidade Tiradentes e Casa da Mulher da Cidade Tiradentes. 
"A Polícia Civil só nos ajuda e acelera o processo de apuração dos atos administrativos", afirma Caetano. 
A prefeitura afirma já ter descredenciado a Associação Águas Marinhas em julho, após processo de investigação identificar irregularidades fiscais na documentação. 
O secretário afirmou que "há fortes indícios de uso de notas fiscais frias". 
Apesar dos problemas, Caetano defendeu as creches conveniadas. "Posso afirmar que 99% do serviço prestados pelas organizações sociais são de excelente qualidade. Eu mesmo presenciei em minhas visitas diárias que faço nos locais, via sorteio, sem que a direção fique sabendo antes", disse. "Quem não trabalhar corretamente, eu substituirei". 
A polícia, porém, desconfia da atuação de membros da Secretaria da Educação. 
"Sendo tais empresas contumazes sonegadoras de tais contribuições sociais, torna-se cediço que tais empresas em conluio vêm apresentando guias e certidões falsas, o que não é fato estranho à municipalidade, pois também reclamada naquelas lides trabalhistas de forma solidária, levando-se a crer também em um suposto envolvimento de órgãos de fiscalização da Secretaria Municipal de Educação, pois nenhuma sanção foi observada, tampouco suspensão de pagamentos", afirma o pedido de busca e apreensão feito pela polícia. 
O ex-secretário de Educação Alexandre Schneider emitiu ofícios em 2018 pedindo investigação das conveniadas, após o jornal Folha de S.Paulo noticiar aluguéis inflados e ligações políticas. 
A gestão Covas afirmou que a CGM (Controladoria Geral do Município) "apura irregularidades em unidades educacionais administradas por entidades do terceiro setor e já estava preparando as medidas cabíveis para a punição dos envolvidos e recuperação de valores de possíveis prejuízos ao erário". 
A CGM coopera com órgãos de controle externo e compartilha informações com a polícia, diz a prefeitura. 
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