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Ex-ministros criticam políticas ambientais em entrevista

Publicado em: 25/08/2019 10:40

(foto: Nelson Almeida/AFP - 8/5/19)
O Brasil enfrenta atualmente uma das maiores crises ambientais da história. O crescimento do desmatamento na Amazônia e uma série de queimadas na maior floresta tropical do mundo colocaram o país no centro do debate global. Em entrevista ao Correio, os ex-ministros do Meio Ambiente Marina Silva e Carlos Minc criticam as políticas ambientais do governo Bolsonaro e dizem que é necessário combater o desmatamento e fortalecer órgãos de fiscalização para preservar a região. Marina Silva afirma que, durante os governos dos ex-presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer, teve início uma política de desmonte ambiental, aprofundada no atual governo. 

Ela acusa o presidente Jair Bolsonaro de incentivar o desmatamento, retirar recursos do Ibama e do ICMBio e se omitir em relação à ação de madeireiros. Marina acredita que é possível retomar a agenda ambiental junto com entidades científicas, ativistas e ex-ministros. Ela disse que, na próxima semana, vai à Câmara dos Deputados propor uma agenda ambiental e a criação de uma comissão especial para tratar do assunto. Carlos Minc critica a liberação de agrotóxicos e diz que a questão ambiental ainda vai gerar boicotes aos produtos brasileiros e sanções que podem levar a perda de milhares de empregos, em razão do descaso com o meio ambiente. 

Ponto a ponto

Queimadas
Temos uma situação que causa tristeza e indignação. Nunca nenhum presidente fez um discurso de estimular os crimes ambientais na Amazônia. Alguns fizeram mais, outros fizeram menos por esse setor, mas foi a primeira vez que um governo operou, no discurso e nas ações, para estimular o que está acontecendo agora, com prejuízos que já são incalculáveis para o meio ambiente, para as populações locais, para os interesses comerciais, os acordos internacionais, a diplomacia e para o Brasil .

Isso foi uma irresponsabilidade. Primeiro, o governo deu sinal de que acabaria com a indústria da multa. Depois veio o enfraquecimento do Ibama, do ICMBio. A transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura. O corte no orçamento do ministério. São discurso e prática que desmontaram a governança ambiental.  

É a primeira vez que tem um comando de cima para baixo, um discurso político e ação concreta de incentivo a essas práticas. Não é por acaso que chegamos a 39 mil focos de calor. Agora, é preciso tomar medidas com seriedade, credibilidade e competência técnica e gerencial para resolver isso.

Despreparo
O discurso do presidente demonstrou o quanto ele está despreparado para lidar com uma situação como essa. Ele se perdeu nas próprias palavras. 

Na minha gestão, tivemos o plano de controle do desmatamento. Houve redução de 83% no desmatamento até 2012. Depois começou a crescer de novo. Dilma e Temer foram desacelerando as políticas. O desmatamento caiu por 10 anos, depois disso, voltou a crescer.

Eu costumo dizer que a Dilma juntou o cal, o Temer deu a pá de cal e o Bolsonaro agora deu o golpe de misericórdia nas políticas de prevenção do desmatamento. Essas políticas têm apenas que ser ressuscitadas. 

Soberania
A melhor forma de garantir a nossa soberania é não fazer o que eles fizeram. Neste momento, em vez de ficar acusando, tem que se preocupar com o que está ocorrendo. Tomar medidas concretas. Por isso, eu, com os ex-ministros, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a OAB, vamos apresentar para o deputado Rodrigo Maia, em uma audiência na quarta-feira, a proposta de uma moratória de todos os projetos ambientais em tramitação no Parlamento, para mostrar que não estamos coniventes com a contravenção.

Que se crie uma comissão especial no Senado e na Câmara para, em um conjunto de audiências públicas, ouvir especialistas, ambientalistas, movimentos sociais, o agronegócio, setores públicos e pessoas de notório saber. O Congresso precisa fazer isso porque o governo não vai reverter a situação apenas na base do discurso. É preciso se ater aos interesses do Brasil. O meio ambiente e o agronegócio estão pagando um preço muito alto do ponto de vista dos acordos internacionais e da democracia. 

Precisamos retomar a criação de unidades de conservação e demarcação de terras indígenas.  

Forças Armadas
O presidente Bolsonaro incentivou, no discurso e na prática, os contraventores. Agora temos uma situação fora de controle. Queimadas sempre existiram. O problema é a forma como estão sendo tratadas. Em uma situação de emergência como essa, é claro que todos os mecanismos devem ser acionados. Mas não será isso que vai resolver.

Eles vão, com certeza, pois tem que cumprir os comandos, como prevê a Constituição. Mas com certeza isso não é efetivo, pois não foi planejado. Tanto que ele só deu a ordem agora. Por que a ordem não foi dada antes? Tem de empregar brigadistas, o Corpo de Bombeiros e tudo que temos.

Situação ambiental  
É dramática. Sabíamos que teria um retrocesso, mas não imaginávamos que seria dessa ordem de grandeza. Há quatro meses, nós, ex-ministros do meio ambiente, nos reunimos e alertamos sobre as consequências do esvaziamento do Ibama, do ICMbio, da desqualificação do Inpe. Alertamos que poderia provocar desmatamento, o aumento das queimadas e o isolamento internacional do Brasil. Isso tudo aconteceu de forma mais rápida e drástica do que a gente imaginava. Ele esvaziou muito o Ibama e o ICMBio, tolheu os braços da fiscalização, desacreditou o Inpe, porque o órgão deu dados que ele não gostou de aumento de desmatamento, que são verdadeiros. 
 
Críticas às ONGs 
Qualquer pensamento independente, na universidade, na cultura, na FioCruz, na Ancine, até na Polícia Federal e na Receita Federal que desagradam já são desqualificados. Isso de colocar culpa nas ONG’s é demais. Imagina se os poucos cientistas e ativistas, biólogos e engenheiros florestais, que estão há anos apoiando nações indígenas e pesquisando florestas, vão sair de noite com coquetel Molotov para botar fogo na Amazônia. Presidente não pode sair acusando por aí. 
 
Dados do INPE
A desmoralização do Inpe é inaceitável. No nosso tempo, o Inpe foi fundamental para a redução do desmatamento em dois anos e também para pontos positivos, como a moratória da soja, o pacto da madeira legal, o zoneamento econômico-ecológico na Amazônia. Tudo com o apoio do instituto. Agora chega o Bolsonaro e o Salles e tiram diretor, dizem que o Inpe não é sério. O Inpe é sério, a FioCruz é séria, o IBGE é sério, o que não é sério é esse governo, que está caindo no descrédito. Aliás, a Amazônia não é do Bolsonaro, como o Inpe não é de Bolsonaro. Bolsonaro vai passar e a Amazônia, Inpe, FioCruz vão continuar. 
 
Fundo da Amazônia
Isso é muito grave, Bolsonaro conseguiu acabar com o Fundo Amazônia, que foi criado na minha época, em 2008, assinado pelo Lula. Fizemos contato com a Noruega, que doou U$ 1 bi. Eles não tinham nenhuma influência sobre os projetos aprovados pelo Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa). O conselho tinha SBPC, seringueiros, governadores, ministros e empresários. Não tinha ninguém representando doadores. Nosso único compromisso era diminuir o desmatamento.  Foram 190 projetos, se criou 80 mil empregos sustentáveis em 10 anos.

Críticas da França
A situação internacional é preocupante. Tivemos grande protagonismo. O Brasil virou a escória. No meu tempo, conseguimos reduzir em 50% o desmatamento. Caiu à metade entre 2008 e 2010. O Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a ter meta da redução das emissões, isso foi reconhecido internacionalmente. Agora, estamos ladeira abaixo. Vem boicote por aí. Inclusive, pela política de agrotóxicos. Bolsonaro liberou em sete meses, 248 agrotóxicos, muitos dos quais proibidos na comunidade europeia por serem comprovadamente carcinogênicos e mutagênicos. Isso já deu um boicote nos supermercados da Noruega e da Suécia. Agora, vem o boicote da carne e da soja, porque a política brasileira está ameaçando o clima. É claro que a Amazônia é nossa, temos a soberania. Mas é claro também que, se a gente derruba e queima, isso prejudica a vida de vários países.


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