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Arma é para autodefesa e não resolve questão da segurança, diz ativista

Publicado em: 15/06/2019 12:25

Foto: Reprodução/Pixabay
Benê Barbosa teve seu primeiro contato com uma arma numa idade em que crianças brincam com pistolas de plástico. Tinha 4 ou 5 anos e o pai o levou para o quintal da casa onde moravam, em Praia Grande (litoral de SP).

"Ele pegou uma lata de 18 litros de tinta, botou água, me pôs no colo e me ajudou a puxar o gatilho de um revólver calibre 32. Lembro do estampido, do furo na lata, da água saindo. E aí ele falou: 'é isso que uma arma faz. Não é brinquedo'".

Quatro décadas depois, Benê, 48, é um dos principais porta-vozes dos defensores das armas do país e o mais atuante nas redes sociais. 

Bem relacionado com a bancada da bala, na semana passada estava no Congresso defendendo o decreto do governo de ampliação do porte de armas, que tem grandes chances de ser derrubado.

Amigo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, ele não gosta de ser chamado de lobista, porque "sempre parece que tem um cifrão". Prefere especialista.

Lobista ou especialista, Benê comanda o Movimento Viva Brasil (MVB), que criou em 2004 para dar assessoria aos defensores do "não" no referendo que tentou barrar a venda de armas, em 2005.

"Eu era o debatedor, o cara técnico", afirmou à reportagem em sua casa em Florianópolis, decorada com adesivos e gravuras alusivas a armas antigas e uma coleção de espingardas de chumbinho para a prática de tiro.

Por 64% dos votos, foi mantido no referendo de 2005 o comércio de armas e munição, mas o ativista pagou um preço pelo envolvimento na campanha.

Na época, ele dava aulas de informática no tradicional Colégio São Luís, de São Paulo, e o diretor disse que seu posicionamento não era o mesmo dos jesuítas que comandavam a instituição. Foi demitido.

Desde então, passou a se dedicar ao MVB, que comanda praticamente sozinho. Quando ouve que a entidade é uma versão brasileira da NRA (National Rifle Association), lobby pró-armas dos EUA, ele ri. "Legal, só me dá 8 milhões de associados e 6.000 empresas que colaboram."

Bacharel em direito, Benê queria ser delegado, mas enveredou pelas áreas de informática e telemarketing.

Nos anos 1990, começou a participar de fóruns online de defensores de armas. "A gente caiu na internet por total ausência de espaço [na imprensa]", diz ele, crítico ácido da mídia.

O MVB financia-se com anuidade de R$ 100 paga por 2.000 associados, diz Benê, que também dá cursos de tiro e faz palestras por R$ 10 mil (preço negociável).

Recebe ainda royalties do livro "Mentiram para Mim Sobre o Desarmamento", de 2015, que, segundo ele, vendeu 30 mil cópias.

Ele afirma que não ganha dinheiro de empresas nem de governos. "Quero poder chegar e falar: olha, isso aqui é uma bosta." Uma dessas situações ocorreu em janeiro, quando Bolsonaro baixou o primeiro decreto pró-armas, que ele considerou tímido. Acabou batendo boca com Carlos Bolsonaro pelo Twitter, rede social onde tem 331 mil seguidores.

Há cerca de um ano, Benê e a família trocaram São Paulo por Florianópolis, interessados na qualidade de vida da capital catarinense. 

Também há a conveniência de ficar perto do Clube de Tiro .38, frequentado por Eduardo e Carlos Bolsonaro, e com o qual tem relação antiga. O endereço para correspondência do MVB é a sede do clube, que fica na vizinha São José (SC).

O principal argumento do ativista é que a posse de armas é mais um direito que uma questão de segurança pública. "Nunca falei que a criminalidade vai desabar quando liberar as armas. Não sei se isso vai acontecer, a discussão não é essa."

O cidadão, diz, tem de poder se defender, inclusive do Estado. "Se você acabar com todas as armas para a população, só o Estado as terá. O risco caso um dia tenhamos um governo ditatorial é muito grande, e isso acontece toda hora na América Latina."

Segundo Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Benê modulou seu discurso ao longo dos anos.

"Ele reduziu a ênfase na questão da segurança, mais divisiva, e prefere o discurso da arma como direito, mais palatável", afirma. Para Lima, ele é o típico polemista dos tempos atuais, relevante nas redes sociais e bem menos fora delas.

Uma prioridade de Benê é torpedear o elo entre aumento de armas e de mortes. A principal peça de resistência dos desarmamentistas é o Atlas da Violência, pesquisa anual feita pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo FBSP.

Na edição deste ano, divulgada em 5 de junho, os autores apresentaram números mostrando que a partir de 2003, quando foi aprovado o Estatuto do Desarmamento, o crescimento das mortes por armas de fogo desacelerou, de uma média anual de 5,44% para 0,85%.

Para Benê, as conclusões são afetadas pelo viés pró-desarmamento dos pesquisadores. "Eles acham que foi o desarmamento e ponto final, deixam todas as outras variáveis de lado", afirma. A principal, diz, é o efeito de políticas regionais em estados populosos como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que afetam o número geral.

"O Nordeste, que mais participou de campanhas de desarmamento voluntário e onde há menor número de armas registradas, foi onde a criminalidade mais cresceu", declara ele.

Outra certeza dele é que "gun free zones", ou seja, zonas livres de armas, como escolas, igrejas e centros comerciais, são "um convite para malucos", sobretudo nos EUA.

Para Benê, a epidemia de massacres naquele país não tem relação com o acesso a armas. "Se tivesse, você teria esse tipo de coisa em outros países com muita arma", diz, citando Canadá e Finlândia.

Sem grande convicção, ele arrisca uma explicação: "É um problema cultural americano, quase uma coisa mitológica. O cara pensa: eu sou maluco, eu quero aparecer, eu vou matar um monte de gente", diz.

Passada a batalha sobre o decreto de Bolsonaro, Benê mira um objetivo maior: substituir o Estatuto por uma legislação com poucas restrições, como idade mínima de 21 anos, limite de nove armas por pessoa e análise de antecedentes.

"Defendo barreiras objetivas: tem histórico de violência? Fora. Problema psiquiátrico? Fora. Não sou um libertário", diz.
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