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Como a ineficiência das prisões afeta sua vida

Complexo do Curado está mais uma vez na mira da OEA, o que confirma sua incapacidade de ressocializar

Publicado em: 16/01/2018 07:39

Foto: Sidinei José Brzuska/Arquivo Pessoal
As pessoas encarceradas estão entre as mais desprezadas socialmente. Mas basta uma notícia sobre a prisão de um acusado de estupro para serem aclamadas pela mesma sociedade que as despreza quando exercem o papel de “justiceiras” dentro da cadeia. No mais, presos e presas permanecem relegados ao esquecimento e às suas implicações, o pior dos castigos para um ser humano. Porque sem existir, você não representa demandas. Fica imerso em um cenário invisível, dominado pelas “leis” do mundo do cárcere, onde as chances de ressocialização inexistem. A mais recente resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos/OEA notificou, pela quarta vez, o estado brasileiro sobre a situação no Complexo do Curado, considerada uma das piores unidades prisionais do Brasil. A primeira resolução data de 2014.

Entre as recomendações do documento da OEA, uma situação em particular chama a atenção. Trata das condições de encarceramento das pessoas LGBT e das pessoas com algum tipo de deficiência física. O cárcere é como um espelho da sociedade na qual vivemos. Tem altas doses de machismo ministradas entre as grades, condição que coloca a população LGBT em alto risco de estupro. “Recebi recentemente denúncia de que existe uma pessoa LGBT há mais de dois meses encarcerada no pavilhão disciplinar do PJALLB. A situação contraria recomendação legal que orienta não colocar em locais de disciplinamento essas pessoas em mesmo espaço de héteros. Também é ilegal manter a pessoa privada de liberdade por medida disciplinar por mais de trinta dias. Essa pessoa está exposta a todo tipo de violação”, alerta Wilma Melo, representante dos beneficiários das medidas provisórias da corte e defensora de direitos humanos. Atualmente, apenas o Presídio de Igarassu tem um pavilhão LGBT.

Em novembro do ano passado, Wilma Melo registrou o caso de um preso cego em uma cela comum. “O que faz um preso nessas condições na unidade? Que tipo de proteção a unidade dá a ele em caso de rebelião? O Tribunal de Justiça de Pernambuco deveria fazer um levantamento das pessoas com deficiência dentro das cadeias e analisar caso a caso”, sugere. Assim como cegos, pessoas cadeirantes, também foram flagradas cumprindo pena no meio dos outros presos. “O ideal seria a remoção delas das unidades para que cumpram pena em casa com tornozeleira e com acompanhamento presencial e não apenas virtual.”
O documento da OEA volta a falar sobre outros desmandos dentro do complexo, como a superlotação, a presença de armas, a gestão dos chaveiros e o pouco efetivo de agentes - o ideal seria um agente para cinco presos, mas a média é de 32,9 presos para um agente. “Nós também corremos riscos simplesmente pela falta de estrutura do estado, pois a vulnerabilidade é grande. Terminamos como culpados pelas alterações legais que o Estado é obrigado a fazer após nossas as inspeções”, lembra Wilma, que foi incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos por conta do trabalho que desenvolve no cárcere.

O fato é que após a notificação da OEA, a semana começou com duas notícias positivas relacionadas ao sistema carcerário. Uma delas fala do início dos cursos de qualificação ofertados pelo Patronato Penitenciário para reeducandos voltarem ao mercado de trabalho. Há oportunidades nas áreas de pedreiro, gesseiro e eletricista. A outra novidade é que presos poderão fazer serviços comunitários em instituições e órgãos da administração direta e indireta do estado, através do Programa de Execução da Pena de Prestação de Serviços à Comunidade, desenvolvido pela Vara de Execução de Penas Alternativas (Vepa). “Sabemos que a maioria dos nossos réus precisa muito mais de serviço social do que de prisão e penas”, reconhece o juiz da Vepa, Flávio Augusto. O magistrado tem razão. Enquanto todo o sistema punitivo não pensar como ele, o fruto podre da política ineficaz de encarceramento não é degustado apenas pelos presos, mas por todos nós, vítimas potenciais da violência e também sujeitos a estarmos do outro lado.
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