Pesquisa aponta que cultura machista estimula a covardia e violência Pesquisa da Universidade Federal do Ceará mostra que três em cada dez mulheres nordestinas já sofreram violência doméstica.

Por: Correio Braziliense

Publicado em: 10/12/2016 11:50 Atualizado em:

Segundo pesquisa, cultura patriarcal é reproduzida em todas as esferas, com a mulher sendo considerada propriedade. Foto: Joao Velozo/ Esp. DP
Segundo pesquisa, cultura patriarcal é reproduzida em todas as esferas, com a mulher sendo considerada propriedade. Foto: Joao Velozo/ Esp. DP

Três em cada 10 mulheres nordestinas sofreram violência doméstica ao menos uma vez, aponta estudo da Universidade Federal do Ceará (UFC). A pesquisa, divulgada ontem, ouviu dez mil mulheres com faixa etária entre 15 e 49 anos nos nove estados da região. As capitais com mais mulheres agredidas foram Salvador, Natal e Fortaleza. “O diagnóstico foi realizado pela ausência de base de dados no Brasil. Alguns resultados eram esperados e outros surpreenderam”, conta o pesquisador da UFC José Raimundo Carvalho.

Um dos pontos mais chocantes, de acordo com o especialista, é a agressão a grávidas: 6,2% das mulheres sofreram agressão física durante alguma das gestações ao longo da vida, seja por parte do parceiro atual ou do ex-parceiro (o mais recente). Natal (RN) apresentou a maior prevalência de violência doméstica na gravidez, aproximadamente 12%, enquanto Aracaju obteve 4,3%. “Esse é um dado vergonhoso, agravante”, revoltou-se o professor.

O estudo, que foi realizado em parceria com o Instituto Maria da Penha e financiado pela Secretaria de Políticas para Mulheres, do governo federal, mostra que 27% das mulheres sofreram algum episódio de violência emocional (insultos, humilhações ou ameaças), 17,2%, violência física, e 7,13%, sexual. Quando questionadas sobre esses atos de violência nos últimos 12 meses, as porcentagens são 11,92%, 5,38% e 2,42%, respectivamente. O resultado alarmante não surpreende a especialistas. “Historicamente, o nordeste é mais machista. O machismo aqui é mais forte”, explicou a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Rita de Lourdes Lima.

A estudiosa acredita que a única forma de acabar com a cultura do machismo é por meio de campanhas de conscientização. Um fato que chama a atenção é que os dados foram divulgados no dia anterior ao fim da campanha mundial 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. A campanha ocorre em cerca de 160 países há mais de 25 anos, mas mesmo assim não atinge todas as pessoas. “As campanhas são importantes, mas, às vezes, não chega à população e, principalmente, não atinge os homens”, disse.

Insegurança

A necessidade de investimento em campanhas e políticas públicas é unânime entre os especialistas. Para a professora Míriam de Oliveira Inácio, da UFRN, a cultura patriarcal é reproduzida não só na família, mas em escolas, igrejas, e no poder judiciário e Estado. “A ideia de que as mulheres são propriedades dos homens é algo que se vai internalizando desde a infância”, explicou. A mulher convive com o a violência dentro de casa desde que é criança. O estudo mostra que aproximadamente 1 em cada 5 mulheres (20,1%) soube de agressões físicas sofridas por suas respectivas mães. “É quase uma naturalização. As mulheres viram as mães apanhando e os homens viram os pais agredindo”, lamentou Míriam.

A pesquisa mostra, ainda, que essas mulheres vivem com a sensação de insegurança. Muitas delas acreditam que podem ser violentadas, inclusive, sexualmente, nos próximos meses. Com a divulgação do estudo e ampliação do banco de dados sobre o assunto, o professor José Raimundo Carvalho espera que os gestores se debrucem sobre o conteúdo para começar a mudar esse quadro, propondo políticas públicas.

“O Nordeste tem esse resultado por causa da cultura machista, desigualdade socioeconômica e falta de educação de gênero”, justificou. A professora Míriam Inácio acredita que, para mudar esse quadro, é necessário que se tenha educação de gênero desde o ensino básico de educação até a universidade. “Precisamos de valores que apontem para a igualdade”. O autor sugere que se desenvolva, implemente, monitore e avalie de maneira rigorosa ações e programas destinados a prevenção  e tratamento da violência doméstica baseados em evidência científica.
 
Pesquisa
Principais resultados:

» 3 em cada 10 mulheres (27; 04%) nordestinas sofreram pelo menos um epis ódio de violência dom estica ao longo da vida

» 1 em cada 10 mulheres (11; 92%) nordestinas sofreu pelo menos um episódio de violência dom estica nos últimos 12 meses.

» Em termos de violência física ao longo da vida, Salvador (BA), Natal (RN) e Fortaleza (CE) são, nessa ordem, as três cidades mais violentas da região.

» Parceiros atuais e ex-parceiros mais recentes são respons áveis pela quase totalidade da violência dom estica perpetrada contra as mulheres. Em termos de violência física e sexual, ex-parceiros chegam a suplantar os parceiros atuais.


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