Internet Comissão aprova projeto para criminalizar o incentivo à automutilação Crescimento de grupos em redes sociais ligados ao cutting estimulou a mudança na legislação brasileira

Por: Mariah Villanova/Especial para o Diario

Publicado em: 29/03/2016 09:46 Atualizado em: 29/03/2016 09:54

Atualmente o Código Penal não classifica o crime de estímulo à automutilação. Crédito: Greg/DP (Atualmente o Código Penal não classifica o crime de estímulo à automutilação. Crédito: Greg/DP)
Atualmente o Código Penal não classifica o crime de estímulo à automutilação. Crédito: Greg/DP

Aproximadamente dez mil resultados é o que o YouTube, site de hospedagem de vídeos, apresenta quando é feita uma pesquisa pela palavra "automutilação". No instagram, a busca pela tag #cutting - termo também utilizado para designar a prática de lesões ao próprio corpo - gera um resultado de mais de quatro milhões de posts. O Tumblr, rede social que se assemelha ao formato de blog, possui milhares de perfis totalmente dedicados ao tema: são publicados desabafos, imagens das lesões, mensagens sobre depressão e outros transtornos. O Twitter também não fica para trás, basta pesquisar. Já no Google, são 470 milhões de publicações relacionadas ao termo cutting.

O crescimento do número de grupos em redes sociais relacionados à prática de automutilação tem gerado preocupação. A falta de informação deixa os responsáveis por crianças e adolescentes aflitos, enquanto os praticantes do cutting buscam chamar atenção para um problema sério e que precisa de visibilidade. O debate em torno do tema motivou a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado a aprovar, no fim de fevereiro, um projeto que pretende alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). De autoria do senador Ciro Nogueira (PP), a proposição pretende criminalizar o induzimento, instigação ou auxílio à automutilação de criança ou adolescente.

A redação do Diario identificou grupos de praticantes de cutting na rede social Facebook. As comunidades têm caráter de apoio e existem como um suporte a quem busca curar a dependência. Tanto a psicologia quanto a psiquiatria consideram como benéfica a existência dessas associações, semelhante ao que acontece em grupos terapêuticos como o Alcoólicos Anônimos. A administradora de uma das páginas de apoio hospedadas no site, informou que reúne pessoas entre 13 e 19 anos que buscam ajuda. "Se eu estou me esforçando tanto a não ceder aos desejos e vejo imagens (das lesões), depoimentos e qualquer outro meio favorecendo, com toda certeza vou acabar cedendo", diz ela, que prefere a publicação de mensagens otimistas. "É interessante darem atenção a essa causa que antes era muito pouco conhecida", completa.

Segundo o senador Ciro Nogueira, para fazer parte dos grupos é preciso "lesionar o próprio corpo e divulgar o resultado por meio de fotos ou vídeos". O parlamentar informou que não existem ainda dados oficiais sobre a prática no Brasil, nem uma lista específica de identificação de grupos, mas que é "muito fácil" encontrar nas redes sociais inúmeros grupos que incentivam e estimulam a prática entre jovens.

De acordo com o psicólogo e professor de Teorias Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Sylvio Ferrer, automutilação ou cutting são danos causados ao corpo através de escoriações provocadas pelos mais diversos instrumentos, por pessoas que têm algum transtorno psíquico ou angústia. É uma maneira, segundo ele, de transferir a dor emocional para a dor física. Ele defende, ainda, que o induzimento somente surtirá efeito em pessoas que já estejam vulneráveis. Já o especialista em neuropsiquiatria Everton Botelho Sougey explica que existem estudos que apontam ausência de endorfina no organismo dos praticantes de automutilação. As lesões, portanto, estimulam a produção da substância, promovendo alívio e calma, o que gera uma espécie de vício.


Automutilação não é crime no Brasil
Atualmente o Código Penal não classifica o crime de estímulo à automutilação. O artigo 122, Decreto Lei 2848/40, trata apenas do induzimento, instigamento ou auxílio ao suicídio, submetendo o réu a aumento de pena no caso de a vítima ser menor de idade. Segundo o juiz da Primeira Vara dos Crimes contra Criança e Adolescente do Recife, José Renato Bizerra, o instigamento à automutilação, hoje, pode ficar no âmbito da lesão corporal ou do induzimento ao suicídio, com pena de até 12 anos.

Ainda segundo o juiz, o enquadramento legal do incentivo ou auxílio à automutilação só pode ser feito caso a caso, já que envolve liberdade individual. "Só um caso concreto pode ter um julgamento mais justo, porque é delicado e envolve outros setores, como a psiquiatria e a psicologia", afirma.

O projeto do senador não determina o que seria classificado como indução ao cutting. O parlamentar explica que a ideia do projeto não é definir na lei o que é incentivo à automutilação, mas criar meios para punir esse tipo de violência. O crime, segundo ele, pode ser provado através de print screen (captura de tela), gravação de e-mail, impressão em papel e solicitação, aos sites e redes sociais, de registros de conversas e publicações.

A matéria agora segue para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde recebe decisão terminativa. Se aprovada, segue para análise na Câmara dos Deputados, a menos que seja aceito recurso para que a decisão final no Senado seja em Plenário.

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