Sem recursos, agências reguladoras do país reduzem serviços à população
Corte no orçamento obriga agências a suspender ou reduzir ações de combate à pirataria, fiscalização, controle de qualidade, aprovação de medicamentos, entre outras
Obrigadas a conter despesas por causa da restrição orçamentária determinada pelo Decreto 12.477/2025, as agências reguladoras do país foram obrigadas a reduzir serviços à população, como atendimento ao público, fiscalização a barragens, suspensão do monitoramento de qualidade dos combustíveis, qualidade do fornecimento de energia elétrica (com impacto sobre as revisões tarifárias das distribuidoras), combate às bets ilegais e à pirataria nas TVs por assinatura.
O Brasil possui, ao todo, 11 órgãos reguladores, que acompanham uma série de serviços concedidos à iniciativa privada e essenciais à população, como saúde suplementar, energia elétrica, telecomunicações, mineração, entre outros. Todos tiveram um corte orçamentário entre 20% e 25% aplicado a partir de 1º de julho, comprometendo o papel de regulação e atendimento ao público.
ENERGIA ELÉTRICA
No setor energético, por exemplo, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) confirmou, em nota enviada à redação, a redução das ações de fiscalização com equipes próprias e a suspensão de operações realizadas em parceria com os órgãos estaduais, como a Agência Reguladora de Pernambuco (Arpe).
Também será suspenso o serviço de call center da autarquia e o atendimento ao público passa a funcionar apenas das 8h às 14h. A redução das atividades terá impacto direto no próximo ciclo de reajuste tarifário da companhia, já que não será possível levar em consideração o Índice de Satisfação do Consumidor. A Aneel precisou cortar R$ 38,6 milhões.
COMBUSTÍVEIS
Com um corte de R$ 34,8 milhões, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) suspendeu, desde o último dia 1º de julho, o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis, com prejuízos, a partir de 1º de agosto, "à fiscalização, pela ANP, do atendimento ao aumento do percentual de biodiesel adicionado ao diesel (B15) e do percentual de etanol anidro adicionado à gasolina (E30)".
MINERAÇÃO
Responsável por fiscalizar as mineradoras, a Agência Nacional de Mineração (ANM) afirma operar no seu limite financeiro para dar conta de suas atribuições legais. Segundo nota da instituição, o corte de R$ 28,7 milhões em suas despesas discricionárias (de livre aplicação) pode comprometer serviços essenciais, como a fiscalização de barragens para evitar tragédias como as de Brumadinho e Mariana; combate à exploração ilegal de minérios, além da análise de processos de autorização e concessão. A limitação de recursos agrava esse cenário, afetando diretamente atividades essenciais à segurança da população e à integridade do setor mineral.
TELECOMUNICAÇÕES
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), também em nota enviada ao Diario, afirmou que, com a contenção orçamentária de R$ 73,3 milhões, terá que suspender ações como o bloqueio das bets ilegais, o combate à pirataria nas TVs por assinatura e ações no âmbito do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (Ciedde), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A restrição orçamentária também atinge a produção audiovisual brasileira. Com menos R$ 11,2 milhões disponíveis,a Agência Nacional do Cinema (Ancine) anunciou que precisará fazer cortes nas verbas destinadas a mostras e festivais, apoio ao Oscar e ao Programa Ibermedia, que visa incentivar a produção cinematográfica ibero-americana.
SAÚDE
No setor de saúde, a restrição orçamentária vai representar redução no atendimento da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Disque ANS, com possibilidade de impactar outras atividades, ainda em estudo.
Essencial para a saúde pública no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não detalhou os impactos em seus serviços provocados pelo corte de R$ 59,3 milhões, mas a instituição exerce papel fundamental na fiscalização de produtos colocados no mercado, aprovação de medicamentos e autorização de investimentos farmacêuticos.
TRANSPORTES
No setor de transportes, a Agência Nacional de Transportes Aquáticos (Antaq) conseguiu reverter, a partir de intervenção do Ministério de Portos e Aeroportos (Mpor), os cerca de R$ 15 milhões contingenciados na disponibilidade financeira para 2025, recompondo o orçamento de R$ 61,5 milhões previstos no Orçamento Geral da União (OGU) 2025.
Também vinculada ao Mpor, a Agência Nacional de Aviação (Anac) teve o corte de recursos revisados, resgatando 50% dos R$ 30 milhões bloqueados. O valor liberado será utilizado, prioritariamente, na retomada da aplicação de provas aos profissionais de aviação civil e em atividades de certificação e fiscalização do setor.
Vinculada ao Ministério dos Transportes, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) teve parte de seu orçamento suspenso recomposto, com o repasse de R$ 10 milhões realocados pelo ministério. A instituição administra, atualmente, cerca de 15 mil km de rodovias concedidas e 30 mil km de ferrovias, além de fiscalizar 100% do transporte interestadual e internacional de passageiros e cargas.
NOTA CONJUNTA
Em nota assinada por todas as instituições do sistema de regulação brasileiro, as instituições destacam o abismo entre o que arrecadam e o que lhes é destinado no OGU.
“As Agências Reguladoras, juntas, arrecadam mais de 130 bilhões de reais por ano, enquanto o orçamento previsto para 2024 era de cerca de 5 bilhões de reais (valor insuficiente frente às necessidades) [...] Contudo, fomos surpreendidos com um corte orçamentário de cerca de 20%, o que pode inviabilizar a realização das ações necessárias para que se possa minimamente continuar a fazer uma boa regulação”, diz o comunicado.
Confira os valores contingenciados em cada agência:
- Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) - R$ 74,1 milhões
(Recomposição de R$ 10 milhões via Ministério dos Transportes)
- Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) - R$ 73,3 milhões
- Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - R$ 59,3 milhões
- Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico R$ 49 milhões
- Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) - R$ 38,6 milhões
- Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) - R$ 34,9 milhões
- Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) - R$ 30,7 milhões
- Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) - R$ 30 milhões
(Recurso recomposto em 50% pelo Ministério de Portos e Aeroportos)
- Agência Nacional de Mineração (ANM) - R$ 28,7 milhões
- Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) - R$ 15,2 milhões
(Recursos recompostos pelo Ministérios de Portos e Aeroportos)
- Agência Nacional do Cinema (Ancine) - R$ 11,2 milhões