A representação e as mídias

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 09/05/2019 03:00 Atualizado em: 09/05/2019 06:59

O Direito vem depois dos fatos, segue os fatos. Porque é um juízo sobre os fatos. Estamos assistindo agora, diante dos nossos olhos, a mudanças sociais e culturais importantíssimas, verdadeiras revoluções, para as quais o Direito é chamado para formular um juízo e dar seu parecer. A navegação espacial, a inédita comunicação  virtual pela internet, as investigações da bioética, por exemplo.

Gigantesca revolução também é a que se está processando nas chamadas “redes sociais”, com imprevistas repercussões não só sobre a imprensa tradicional (que está abalando) mas também sobre a representação política. Ainda não nos estamos dando conta do fenômeno e de suas consequências. Com o advento e o sucesso das redes sociais, a representação política não pode continuar a ser a mesma. O atual modelo está em crise e deve desaparecer.

Houve quem dissesse que as redes sociais deram voz a um milhão de imbecis. Exagero, lamentável incompreensão. É claro que há muita idiotice na internet e é grandessíssima perda de tempo dar às redes atenção permanente. Mas o que elas fizeram, substancialmente, foi dar voz ao homem comum, ao homem simples, que vivia no seu canto e reclamava de umas tantas dificuldades a que, no entanto, o enfatuado político não dava atenção. Aquele, agora, está tendo voz – e descobre que sua voz é poderosa. Nixon já havia falado de uma “maioria silenciosa” que ele quis exprimir. E todo mundo sabe que um pequeno grupo batendo bombo faz muito mais barulho do que uma multidão calada. Pois a multidão calada agora está falando.

Nem quero, aqui, ou agora, destacar a situação do Brasil – pois é visivelmente um Brasil que estava oculto o que as redes sociais estão mostrando, um Brasil que andava abafado pelas pressões e pelas modas da grande mídia e do “politicamente correto” e que, agora, com as redes sociais, está podendo falar.

Quero é levar o problema para um plano mais geral – o do efeito dessa voz das multidões silenciosas, que agora falam pelas redes sociais, sobre o modelo de representação política que vimos praticando. Podem-se antever modificações substanciais. Se nunca houve, na deficiente experiência brasileira, muita interação entre eleitores e eleitos, não cobrando e não manifestando, aqueles, suas opiniões, como acontecia na história parlamentar dos Estados Unidos – parece provável que, agora, com as redes sociais, esse cenário mude. Já houve senador que, para dar um determinado voto, andou consultando seus eleitores numa rede social... Em que medida procedimentos assim não virão a ser institucionalizados? Plebiscitos e referendos podem ser realizados, por essa via, com muito maior facilidade e eficiência. O instituto da iniciativa popular pode vir a ter outra configuração. Instrumentos como a revogação do mandato, pelo desrespeito do eleito às inclinações dos seus eleitores, podem vir a ser considerados seriamente. Com certeza diminuirá, ou já está diminuindo, a liberdade dos parlamentares para dar (ou vender) seus votos à revelia do eleitorado. O “cheque em branco” da velha representação pode estar com seus dias contados. Haverá mais transparência e mais publicização, perspectivas mais propriamente republicanas, e isso abre perspectivas promissoras.

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