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Presidente mais jovem do maracatu rural, Nailson Vieira une tradições ao pop em um dos discos mais originais do ano

Presidente do Maracatu Estrela Brilhante de Nazaré da Mata, Nailson Vieira flerta com a música pop no disco "Sou, Estou", já disponível nas plataformas digitais.

Por Camila Estephania

Nailson Vieira preside o Estrela Brilhante de Nazaré da Mata desde os 19 anos de idade.

Quando Nazaré da Mata se viu obrigada a parar com suas tradicionais sambadas de maracatu por conta da pandemia da Covid-19 em 2020, Nailson Vieira escreveu seus primeiros versos para aplacar o silêncio da cidade natal. Apesar de, na época, ser trombonista do Maracatu de Baque Solto Estrela Brilhante, da Ciranda Bela Rosa e do Bloco Rural Estrelinha, ele só percebeu que queria fazer algo a mais na música a partir daquelas composições. O resultado pode ser visto no álbum “Sou, Estou”, que já está disponível nas plataformas digitais, sendo um dos discos pernambucanos mais originais deste ano.

“Costumo dizer que eu fazia preces em forma de verso e esses versos se tornaram músicas”, conta ele, em entrevista ao Diario. Não é à toa que canções como “Mandei Avisar na Sede” preconizam tempos em que o samba de maracatu não cessa, tendo sido uma das primeiras a cair na boca do povo, através de uma live do Festival Alvorada, em Nazaré, custeado pela Lei Aldir Blanc, em 2021. Na ocasião, ainda cantou “Depois” e “Biografia”, que já revelavam a proposta de aplicar a métrica da ciranda e do baque solto a uma linguagem mais pop, com referências de cúmbias e bregas. O material ficou disponível no Youtube e ajudou a catapultar o trabalho do músico.

No mesmo ano, Nailson assumiu a presidência do Estrela Brilhante, ainda com 19 anos de idade, tornando-se o mais jovem a comandar um maracatu rural. Escolhido por unanimidade pela diretoria da agremiação, trombonista sucedeu o Mestre Bi, como reconhecimento da relevância da sua atuação no maracatu, que começou aos dois anos de idade, vestindo a fantasia de burra. No ano seguinte, ele já vestia o caboclo e, desde então, não deixou de ser folgazão, seja como brincante ou como músico.

“Todo mundo fala que eu sou um menino velho, porque sempre convivi com pessoas mais velhas que eu”, brinca, atualmente com 23 anos, ao reconhecer que o baque solto é majoritariamente feito por veteranos, mas sem se intimidar. “Esse movimento aconteceu naturalmente. Na escola de cultura popular, você não diz que faz, você conquista o seu espaço, mostrando seriedade, amor e respeito pelos que fazem a coisa acontecer”, explica.

A partir do trabalho na Mata Norte, seu comprometimento com a cultura popular - dentro e fora do maracatu - também começou a chamar atenção pelo Brasil afora. Primeiro, na região metropolitana do Recife, onde começou a se destacar em diversos projetos com suas primeiras músicas, chegando a palcos de grandes festivais, como Rec Beat e o No Ar Coquetel Molotov, em 2024; depois, em São Paulo, onde tocou no Sesc Pompéia, no mesmo ano.

Segundo o artista, a circulação com as canções trouxe ainda mais certeza do que ele buscava: “Cantar pro meu povo e cantar o meu povo”. Porém, até mesmo quem não é de Nazaré se sente convocado pelo chamado irresistível de “Sou, Estou”. Músicas como “A Corda do Caranguejo”, por exemplo, prometem contagiar o público e arrastar novos ouvintes para a cultura popular pernambucana. 

Ao todo, são onze músicas compostas por Nailson e produzidas por Homero Basílio. Esse último passou a integrar o projeto em 2023, quando entrou como baterista para uma nova formação da banda do trombonista e, a partir de então, ajudou a lapidar uma sonoridade mais dançante para o trabalho.

Entre as referências para o álbum, o músico diz ter ouvido bastante Siba, Seu Pereira, Maciel Salú, Alessandra Leão, entre outros artistas que já demonstram interesse em cruzar as tradições populares com a música pop há muitos anos. “A gente não pode imitar, mas a gente segue a referência”, ressalta.

Aliás, as inspirações vão muito além do campo estético que Nailson explora. Entre seus principais exemplos artísticos está o astro do piseiro João Gomes, que considera uma revolução na música brasileira atual. “Me vejo muito nele, pela idade, pela atitude, pelo interesse de juntar mundos, pessoas, um movimento inclusivo. Além de ser um cara super grato às suas referências e trazer pra perto nomes do forró raiz, como Assisão e Mestrinho”, lista.

Em "Vem Me Mostrar", com participação da cantora Louise, filha de Chico Science, Nailson reforça o plano de promover encontros através da música. Na carreira solo, a proposta já vinha sendo explorada por ele especialmente durante o ano de 2023, quando comandou o projeto "Nailson Vieira Convida". Com a iniciativa, o músico realizou shows gratuitos no Pátio de São Pedro em um domingo de cada mês, contando com participações da própria Louise e outros nomes, como Lia de Itamaracá, Isaar e Renata Rosa. 

Os versos de "Quando eu começo a sambar" sintetizam a força da coletividade nas tradições populares. "Quando eu começo a sambar afasto a força do mal, só fica quem pensa igual pra minha gira girar", canta em uma das faixas mais dançantes do álbum.

Para ele, o País só tem a ganhar com a popularização dos valores da cultura popular. “O Maracatu é um movimento de resistência afroindígena que acontece há mais de 100 anos e a história se repete: sempre precisamos de apoio, mas a gente sempre consegue botar o baque na rua, ele não pode parar. O Brasil precisa aprender com o Maracatu para recomeçar: todo mundo se dando a mão, se respeitando e entendendo que uma andorinha só não faz verão”, conclui.