Lenine retorna aos estúdios com 'Eita', álbum que mistura música e cinema
Após uma década, Lenine retorna aos estúdios com 'Eita', obra que exalta suas raízes nordestinas e reforça sua posição na vanguarda da música brasileira
Eita é uma daquelas expressões nordestinas que carregam um universo de significados, como surpresa, espanto e admiração. Lenine apropria-se dessa interjeição cheia de nuances para batizar seu novo álbum de inéditas, já disponível nesta sexta nas plataformas digitais. Lançado seis anos após Em Trânsito, registro ao vivo que antecedeu este novo trabalho, representa tanto um reencontro com as gravações em estúdio quanto uma declaração de amor às suas raízes. Nele, o artista recifense mostra que continua a escrever, cantar e enxergar sua região com um olhar absolutamente singular.
Atenção à palavra “olhar”, que aqui se revela em seu sentido mais literal. Pela primeira vez, Lenine assume o papel de intérprete visual da própria obra, em um impulso natural para um cinéfilo de primeira linha e admirador confesso de mestres como Akira Kurosawa e Stanley Kubrick.
Incentivado pela família, o artista aceitou o desafio de assinar a versão audiovisual do projeto ao lado de Kabé Pinheiro e Laís Branco, contando com o roteiro do conterrâneo George Moura e de seu filho João Muller Moura, além da direção artística de Bruno Giorgi. “Sempre foi o olhar, e não o ouvir, o meu principal estímulo para compor. Então, me pareceu que era a hora de fazer um filme”, explica o cantor, em conversa exclusiva com o Viver.
Antes de iniciar o trabalho, Lenine questionou o seu próprio prazer em escrever. Contudo, bastou que ele se visse imerso no processo criativo das 11 canções inéditas para reencontrar a motivação que julgava perdida. “É fundamental para mim essa função de cronista, que exerço desde os primeiros discos”, afirma o artista, cuja trajetória está pautada pela experimentação desde o icônico Olho de Peixe (1993).
Em Eita, as narrativas ganham contornos confessionais, desabrochando em primeira pessoa como a expressão mais natural e autoral dele entre palavras, ritmos e sotaques. “No fim das contas, eu sou mesmo um fazedor de canções”, declara.
O álbum aprofunda essa perspectiva íntima através de suas dedicatórias, com cada canção prestando tributo a influências fundamentais que moldaram a identidade artística de Lenine, a exemplo de Dominguinhos, Hermeto Pascoal, Letieres Leite e Naná Vasconcelos.
Dessa forma, não é apenas uma homenagem, mas também o resgate do legado de figuras que o país ainda não celebrou como deveria. “O Brasil tem um débito gigante com o Nordeste, porque se hoje a gente respira um certo ar de coletividade e de bem para o ser humano, deve-se ao Nordeste”, diz ele.
A reverência às raízes manifesta-se também na composição dos convidados, que reúne desde jovens compositores como Carlos Posada e Gabriel Ventura até os mestres consagrados Arnaldo Antunes, Dudu Falcão, João Cavalcanti, Lula Queiroga e Siba. Na mesma linha, o projeto homenageia o Terreiro Xambá, incorporando a força ancestral da família Bongar, com seus toques, loas e danças.
Completando esse diálogo entre gerações, a diva Maria Bethânia aparece em “Foto de Família”, Maria Gadú em “O Rumo do Fogo”, o próprio Siba em “Malassombro” e Gabriel Ventura em “Beira”.
Assim, Eita consolida-se como um projeto que ultrapassa os limites de um álbum. Nele, Lenine entrelaça suas memórias afetivas, suas referências artísticas e seu olhar cinematográfico para criar um trabalho que é, ao mesmo tempo, retorno às origens e passo adiante em sua trajetória. É um testemunho vivo da potência criativa de um artista que continua a expandir os horizontes da música brasileira.