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Mãe denuncia negligência médica após morte de filho de 3 anos, em hospital particular do Recife."Ela quis decidir quem é que vive e quem morre ali", declarou

Lais Lima afirma que criança, de 3 anos, foi declarada morta enquanto ainda apresentava sinais vitais e passou quatro horas agonizando até a morte ser confirmada

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Fachada do IML

“Ela quis decidir quem é que vive e quem morre ali”, relatou Laís Maria dos Santos Lima, mãe de Miguel, de 3 anos, em entrevista exclusiva ao Diario de Pernambuco nesta quinta-feira (4). De acordo com ela, o menino veio a óbito após passar por uma sequência de erros da equipe de plantão de um hospital da rede particular localizado no bairro do Torreão, na Zona Norte do Recife, o que inclui ter passado quatro horas agonizando sem conseguir respirar, uma vez que a médica plantonista responsável retirou a traqueostomia da criança. O hospital assegura que a criança recebeu atendimento imediato e que foram realizadas as intervenções necessárias diante da gravidade do quadro clínico. 

O óbito foi registrado oficialmente no início da manhã de terça-feira (2), após a criança ter uma parada cardíaca por volta das 4h48, horas depois da troca de plantão da equipe médica, que havia constatado que Miguel ainda estava vivo.

Por meio de nota, a Polícia Civil de Pernambuco disse que o inquérito foi aberto pela 4ª Delegacia do Espinheiro, na Zona Norte.

Como aconteceu

Durante a conversa, a mãe destacou que a criança já havia nascido com paralisia cerebral. A dona de casa afirma que, ao longo dos três anos de vida, o menino passou por situações repetidas de falhas no atendimento, inclusive em uma ocorrência grave em 2024. “Ano passado, em agosto, ele passou por mais uma [falha de atendimento médico]. Ele teve rebaixamento de glicose, uma hipoglicemia, que baixou para 13. Foi quando ele entrou em coma, agravando mais a parte cerebral dele.”

Segundo a mãe, antes desse episódio, Miguel possuía reflexos e autonomia compatíveis com suas condições. “Ele comia oralmente, tomava mamadeira, tinha os movimentos normais, sorria, já balbuciava, falava algumas palavras. Ele só não andava ainda, mas era bem ativo”, relembrou.

De acordo com Laís, tudo começou no domingo (3), quando Miguel já apresentava febre persistente e desconforto respiratório há três dias. Ela o levou para atendimento médico em Itapissuma, município onde reside a família. “O médico passou hemograma e raio-x. Disse que estava tudo normal, que poderia ser infecção respiratória na traqueostomia. Passou antibiótico e deu alta.”

Na segunda (1º), o quadro piorou. Laís conta que o menino havia apresentado baixa na glicose e ainda tinha febre. “Quando deu duas horas da tarde, ele começou a intercorrer. A saturação baixou muito, chegou a 80, e os batimentos a 190. Ele começou a ter um sangramento pela traqueia.”

Dessa vez, Miguel foi levado à urgência particular, do plano de saúde, para atendimento. No local, foi diretamente encaminhado para a sala vermelha. “A gente passou uma hora e meia lá fora esperando alguma notícia e ninguém dava.” A dona de casa revela que os profissionais apresentavam uma calma incomum. Pouco tempo depois, a equipe da ambulância que havia transportado o menino se aproximou dela e deu os pêsames. “A enfermeira chegou, bateu no meu ombro e disse: ‘meus pêsames, mãe’.”

A equipe médica que estava de plantão no momento anunciou o óbito. “Disseram que fizeram o que podiam, que tentaram reanimar ele, mas que ele já tinha chegado em parada cardíaca”, disse.

Quando foi autorizada a ver o filho, percebeu movimentos. “A gente percebeu que ele estava fazendo gasp… como se fosse dificuldade respiratória. Aí deitei minha cabeça no peito dele e vi batimentos… um batimento normal, contínuo.”

Apesar disso, a unidade de saúde seguia com os trâmites para liberar o corpo. “Eu perguntei à médica o que ia ser feito agora. Ela disse: ‘vou levar ele pro SVO e ele vai com a ambulância do plano’. Eu estranhei, nunca vi ambulância levar óbito”, destacou. Enquanto isso, segundo ela, Miguel continuava apresentando sinais incompatíveis com morte recente. “Quando eu entrei novamente, ele estava sem a traqueostomia e sem a GTT. E o orifício estava melado de sangue. Os lábios estavam rosados. Quando eu abri a pupila, ela dilatou. O corpo estava quente.”

Laís afirmou que a equipe ignorou o que ela via. “Eu disse: ‘meu filho não tá morto, não! A traqueo tá sangrando, ele tá tendo circulação’.” Ainda de acordo com ela, enfermeiros observavam a família com expressões que demonstravam tensão e desconforto.

Na entrevista, ela disse ainda que uma profissional conversou com um frentista do hospital. “Ela disse: ‘tu tem coragem de dizer ao pai que o filho dele tá vivo? Porque o menino tá vivo’.” O frentista entrou e confirmou a Felipe, pai de Miguel, que o filho estava vivo.

Minutos depois, após a troca do plantão médico, foi constatado que Miguel não havia morrido. “Deram todo o suporte de oxigênio. Não precisaram reanimar. Só tentaram pegar acesso, porque a glicose dele tinha aumentado muito.”

Laís ficou na sala acompanhando tudo. Ela disse que, ao mesmo tempo, uma funcionária informou que a médica havia pedido para que a equipe interrompesse o trabalho. “A médica pediu para todo mundo parar o que estava fazendo, que ele realmente tinha chegado a óbito. Só que as técnicas e as enfermeiras não aceitavam, diziam: ‘não, ainda tem vida’. E ela falou: ‘vocês têm certeza que vão passar por cima da minha ordem? Porque quem manda sou eu’.”

Segundo o relato da funcionária à mãe, a médica declarou que Miguel “já era uma criança doente e já, já morreria”, e ordenou a retirada da traqueostomia, o que poderia levar à morte imediata. “Só que ela não imaginava que ele também respirava pelo nariz”, afirma Laís.

Mesmo após receber suporte da nova equipe, Miguel não resistiu. “Quando ele voltou pra UTI, foi quando realmente ele começou a entrar em parada cardíaca. Ele sofreu muito. Passou quatro horas agonizando.”

A morte foi confirmada às 4h48 da madrugada de terça-feira (2). “Foi um homicídio. Deixaram meu filho morrer”, afirmou Laís.

O desejo da mãe

Ao final da entrevista, Laís desabafa sobre o que espera agora: “O que aconteceu foram pessoas desumanas, com falta de empatia. Eu quero que ela perca o trabalho dela… e toda a equipe.”

Laís afirma que levou o caso aos diretores da rede particular: “Eles disseram que as medidas estão sendo tomadas, não só para a médica, mas para toda a equipe.”

Mas, para ela, isso não é suficiente. “Fora do hospital, eu vou botar na justiça, denunciar ela pro Cremepe, as técnicas pro Coren. Minha vontade é essa: que pessoas desse tipo deixem de exercer a profissão. Porque mataram o nosso filho. Foi um homicídio. Deixaram quatro horas ele agonizando, lutando pela vida.”

O que diz o hospital

Em nota recebida na noite desta quinta (4), o hospital informou que lamenta profundamente o falecimento da criança e expressa sua solidariedade à família neste momento de imensa dor.

A instituição reforça que o paciente recebeu atendimento imediato e foi assistido integralmente pelas equipes plantonistas, que realizaram as intervenções necessárias diante da gravidade do quadro clínico. A direção está em contato constante com os familiares prestando todos os esclarecimentos necessários e permanece à disposição.