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Homem que ficou preso injustamente por quase 9 meses é libertado no Grande Recife: "Não me ouviam"

Segundo a Defensoria Pública de Pernambuco, Anderson Gabriel da Silva tem o mesmo nome do verdadeiro autor do crime. Nome da mãe dos dois também é igual

Por Jorge Cosme

Anderson abraça companheira ao deixar Cotel.

"O dia chegou", disse a mãe no primeiro abraço. Ela logo emendou: "Teu cabelo tá grande".

O abraço apertado celebrava a liberdade do vendedor de água Anderson Gabriel da Silva, de 25 anos, após quase 9 meses preso injustamente no Centro de Observação Criminológica e Triagem Professor Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, no Grande Recife, por um crime que não cometeu. Ele deixou a unidade na tarde desta terça-feira (7).

O homem foi acusado de um homicídio que, segundo a Defensoria Pública, teve como autor uma pessoa de mesmo nome, que atualmente está preso na Paraíba. O caso também tem outra grande coincidência: o nome da mãe de ambos é igual, Ana Paula da Silva.

Segundo a defensora Maria Cristina Ribeiro, que atua no Cotel e acompanhou o caso, trata-se de um episódio de preconceito com falha da Polícia Civil e morosidade da Justiça.

"Infelizmente teve uma vida que foi ceifada, teve uma morte na comarca de Goiana [Mata Norte de Pernambuco] e a irmã presenciou a morte do irmão", conta a defensora.

De acordo com Maria Cristina, a irmã da vítima reconheceu o autor do crime por foto. Seria um homem com o mesmo nome do vendedor de água, mas com uma extensa ficha criminal.

"A pessoa identificada erroneamente pela Polícia Civil foi este inocente que está saindo hoje. A Defensoria juntou provas documentais, reconhecimento fotográfico e todas as assinaturas dele para provar que existiam duas pessoas com o mesmo nome e com o mesmo nome da mãe também", explica.

"Ele vinha toda hora na minha porta dizer que era inocente. E a gente estava aqui gritando para a Justiça 'Não é ele'", diz a defensora. Ela lembra que entrou com petições pedindo a liberdade de Anderson em março, junho e julho.

O caso ficou sem deliberações por três meses e voltou a andar após ela ameaçar levar a situação para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), diz. "É aquela coisa do preconceito. Ele é acusado no processo e já chega rotulado como culpado".

 

Saudade da avó

Anderson é um homem negro. Ao deixar o Cotel, ele foi recepcionado pela mãe e pela esposa. "A primeira coisa que quero fazer é dar um beijo e um abraço na minha avó", diz ele, que tem a avó como uma segunda mãe.

"Estou muito grato de sair desse lugar horrível. Eu falava que não era eu, mas não me deram ouvido", comenta. "Estava dormindo mal, com saudade da família e o psicológico abalado. Não é fácil você pagar por uma coisa que não fez".

A mãe Ana Paula da Silva é empregada doméstica em Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Ao longo desses meses, evitou contar à patroa o que ocorria com o seu filho. Revelou apenas nesta terça-feira, quando precisou pedir para deixar o trabalho mais cedo e recepcionar seu único filho deixar a unidade prisional.

"Meu filho jamais tiraria a vida de alguém. Foi um período horrível. Nunca mais quero voltar aqui", declara.

A esposa de Anderson, Carla Assis de Paula, também esteve no Cotel nesta tarde. "Sofri muito. Foram muitos julgamentos", resume.

Anderson diz que pretende pedir reparação à Justiça pelo tempo preso injustamente. Mas não vai ser hoje. "Hoje eu quero matar a saudade da minha avó".