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A falsa ressaca que pode acabar em tragédia: entenda riscos da intoxicação por metanol

Ingestão de metanol não manifesta imediatamente sintomas graves, mas posteriormente os danos à saúde podem ser irreversíveis, causando até morte, segundo especialista

Por Nicolle Gomes

Indústrias suspeitas de vender bebida adulterada com metanol são alvo de fiscalização da PF

NA onda de casos de intoxicação por ingestão de metanol em bebidas adulteradas no Brasil deixou autoridades e a população em alerta.

Em Pernambuco, seis casos estão sob investigação, com duas possíveis mortes. No Brasil, já são mais de 60 ocorrências, entre suspeitas e confirmadas. .

A distribuição destes produtos representa um problema de saúde pública. A ingestão do metanol não manifesta sintomas graves imediatos, podendo aparentar uma “ressaca” comum, que, posteriormente, pode evoluir para danos irreversíveis, como cegueira e morte.

O metanol é um álcool muito parecido com o etanol, utilizado em bebidas alcoólicas. A diferença é que o metanol tem um átomo de carbono a menos, e essa distinção é perigosa para a saúde humana, conforme explica a professora de farmacologia no curso de medicina da Universidade de Pernambuco (UPE), Ana Carolina Carvalho, ao Diario.

“O metanol é um álcool solvente, um reagente importante em alguns setores da indústria, pode ser utilizado na fabricação de removedores de tinta, e outras aplicações. Quimicamente falando, a única coisa que muda dele para o etanol, presente nas bebidas alcoólicas, e permitido por lei, é que o etanol, tem uma molécula com dois carbonos e o metanol só tem um. É uma diferença pequena, mas enorme no organismo”.

No metabolismo

Não é possível identificar, a olho nu, que uma bebida está adulterada com metanol. O cheiro, a cor, e os primeiros efeitos após a ingestão são semelhantes aos de uma bebida confiável. Os primeiros indícios de mal-estar podem inclusive ser confundidos com uma ressaca comum, já que a princípio o corpo absorve o metanol e o etanol da mesma forma.

“Os primeiros efeitos são parecidos (na ingestão de etanol e metanol), isso acontece. Mas a grande questão a metabolização. Tanto o etanol como o metanol vão utilizar o mesmo sistema. O fígado vai metabolizar, o estômago e o intestino vão absorver de forma igual. O perigo é que o metanol, quando passa pela metabolização no fígado, é transformado em formaldeído, que é extremamente tóxico. E o formaldeído depois transforma-se em ácido fórmico, dois metabólicos extremamente tóxicos para o organismo”, detalha a professora.

Em virtude da produção de ácido fórmico, o sangue da pessoa que ingeriu o metanol fica ácido. À medida que o tempo passa, os sintomas vão se agravando, podendo evoluir para quadros de cegueira e até morte, em cerca de 12 horas.

“Inicialmente, o indivíduo sente cefaleia, dor de cabeça, um desconforto e dor no estômago. A presença desses produtos do metabolismo do metanol vai agravando mais o quadro, porque causa agitação, causa turvação da visão. Os efeitos tóxicos do metanol demoram cerca de 12 horas para começar a aparecer. Alguns indivíduos estão ficando cegos. Quando o ácido fórmico chega às células da retina causa inflamação, atrofiação e cegueira, que pode ser irreversível. O acúmulo de ácido fórmico também pode causar depressão respiratória e levar ao coma e morte do paciente”

Antídoto

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, nesta quinta (3), um Edital de Chamamento Internacional para identificar fabricantes e distribuidores internacionais do medicamento Fomepizol, utilizado como antídoto em casos de intoxicação oral por metanol.

O Fomepizol não possui registro sanitário no Brasil. A medicação serve para inibir a intoxicação, mas não reverte os danos como a cegueira.

“O Fomepizol, ele vai inibir a primeira enzima e, então, impedir a formação do formaldeído e também consequentemente a formação do ácido fórmico, os principais causadores dos danos da toxicidade do metanol. A questão é que o Fomepizol ele não é regulamentado pela Anvisa. É por isso que o Ministério da Saúde está buscando fornecedores externos para conseguir fazer essa importação”, destaca a farmacêutica.

O etanol também pode ser usado no tratamento de pacientes que ingeriram metanol de forma acidental.

“Outra forma de tratamento da intoxicação é com o etanol. Nesse momento, ele não teria o caráter de bebida, mas de medicamento mesmo, para competir com as enzimas que metabolizam o álcool, e diminuir os efeitos tóxicos associados do uso metanol de forma acidental”, complementa Ana.

Em caso de suspeita de ingestão

A professora também alerta a população a procurar ajuda médica em casos de suspeita de intoxicação por ingestão de metanol.

“Antes dessas 12 horas é importante que já se busque ajuda médica. Imediatamente, se o indivíduo tem essa suspeita, da utilização de uma bebida adulterada, ele tem que buscar imediatamente um serviço de saúde”, alerta a docente.

Atenção ao consumir

A população deve permanecer atenta ao comprar bebidas alcoólicas, principalmente as destiladas, como gin, uísque, vodca e cachaça. Veja algumas dicas:

Exigir nota fiscal;

Comprar em locais seguros, como supermercados, distribuidores ou bares e restaurantes reconhecidos, evitando pontos de venda improvisados;

Checar aspectos das embalagens, como lacres, rótulos e informações: quaisquer sinais de violação, quebra, borrão ou rasura devem ser considerados como suspeitos de falsificação ou adulteração;

Cuidado ao descartar garrafas, que podem ser reutilizadas por falsificadores.

 “Nesse momento, enquanto estiverem havendo essas investigações, é ideal evitar, a utilização de bebidas alcoólicas destiladas. O risco é infinitamente maior com essas bebidas destiladas devido ao teor alcoólico, o prejuízo maior, realmente, é quanto maior for a concentração do álcool. Até se averiguar, a origem das adulterações. A gente observa que se iniciou em São Paulo, mas que essas distribuidoras de bebidas clandestinas vão fazendo a distribuição em todo o Brasil. A gente já tem vários casos aqui em Pernambuco já notificados”, orienta a professora.