° / °
Cadernos Blogs Colunas Rádios Serviços Portais

Desburocratizar para arriscar: CNJ muda regra para venda de imóveis

Decisão do Conselho Nacional de Justiça afasta a exigência de certidões de débitos para o registro de escrituras, agilizando transações, mas transfere integralmente o ônus de investigação para o comprador; especialistas alertam para os perigos ocultos de dívidas de IPTU, condomínio e até de penhora judicial.

Por Cecilia Belo

Cartório

A compra de imóveis no Brasil entrou em uma nova era de desburocratização após uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que proibiu cartórios de exigirem certidões negativas de débito para a finalização do registro de escrituras de compra e venda.

O entendimento foi firmado no julgamento do Procedimento de Controle Administrativo e afasta o que o relator, conselheiro Marcello Terto, definiu como uma forma indireta de cobrança de tributos. A medida, que contraria precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), busca agilizar o mercado imobiliário.

O que antes era uma barreira automática, agora se torna apenas uma informação. As certidões, como a Negativa de Débitos Federais (CND) e a Positiva com Efeito de Negativa (CPEN), deixam de ser obrigatórias e assumem caráter meramente informativo. Isso significa que negócios que antes eram paralisados por pendências fiscais agora podem ser concluídos, contanto que o comprador esteja ciente dos riscos. Segundo o CNJ, essa mudança estabelece um padrão uniforme em todo o país, invalidando quaisquer normas estaduais ou municipais que tentem manter a exigência.

Risco e Proteção
A decisão, no entanto, coloca o comprador em uma posição mais vulnerável, transferindo para ele a total responsabilidade pela verificação de pendências. Segundo o tabelião Ivanildo Figueiredo, titular no cartório do 8º Ofício de Notas do Recife e professor doutor na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ivanildo Figueiredo, essa questão é antiga e tem origem na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI 394) de 2008, que já havia reconhecido a inconstitucionalidade de exigir a CND da Receita Federal para empresas que vendiam ou ofereciam imóveis como garantia.

A medida servia para "constranger os contribuintes a recolher os impostos previstos em lei", impedindo, por exemplo, que incorporadoras com impostos atrasados pudessem averbar a licença de habite-se, prejudicando os compradores do empreendimento.

Com a nova regra, o maior risco é o comprador adquirir um imóvel de quem não é o real proprietário, ou de alguém com dívidas que possam resultar na penhora judicial do bem. “As dívidas de IPTU e de condomínio são dívidas que seguem, aderem ao imóvel”, alerta o advogado.

Ele explica que, nesse caso, o próprio imóvel comprado com esses débitos pode ser penhorado e levado a leilão para quitar as dívidas. Além disso, o imóvel pode ser penhorado pela Justiça do Trabalho ou em Execuções Fiscais.

Novo papel
Antes da decisão, a obtenção de uma escritura pública de compra e venda em cartório envolvia a apresentação de uma série de documentos e certidões. Para o imóvel, era necessária a certidão de matrícula, de IPTU, da Taxa do Corpo de Bombeiros, além da declaração de quitação de condomínio.

Já o vendedor precisava apresentar uma lista de certidões, incluindo a da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens, de Ações e Execuções da Justiça Estadual e Federal, e as certidões Negativas de Débitos Trabalhistas (CNDT) e Federais (CND).

O valor das taxas e impostos também pesava no bolso. Os emolumentos da escritura variavam de R$ 252,20 a R$ 6.103,37, com um teto de R$ 10.464,71, enquanto o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) podia chegar a 3% do valor do bem.

Agora, a ausência de exigência da CND simplifica a responsabilidade dos oficiais de cartório, tornando-a "subjetiva", ou seja, dependente de culpa. Segundo Roberto Campos, professor na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), o oficial, ao cumprir a determinação do CNJ, não pode ser responsabilizado por negligência. “No caso, esta [a responsabilidade] ainda mais amenizada, já que cumprirão a determinação do CNJ, estarão em estrito cumprimento de dever legal, verdadeira excludente de ilicitude”, pontua o advogado.

Concentração de Matrícula
A Lei 13.097/2015 já havia adotado o princípio da "concentração de matrícula", que permite a qualquer credor averbar pendências e dívidas diretamente na matrícula do imóvel.

Figueiredo explica que a própria Receita Federal pode registrar um "Arrolamento de Bens" quando o valor dos créditos tributários for superior a 30% do patrimônio conhecido. “Desse modo, os credores dispõem de várias alternativas e instrumentos para dar publicidade à existência de dívidas do proprietário do imóvel”, afirma o especialista.

No novo cenário, a verificação da documentação e certidões por parte do comprador se torna ainda mais crucial. Segundo o advogado, todo interessado em comprar um imóvel deve solicitar ao vendedor tanto a documentação do imóvel quanto a do proprietário.

"Do proprietário, o interessado deve solicitar as certidões de regularidade fiscal e da existência de ações e execuções na Justiça Federal, Justiça Estadual e Justiça do Trabalho", aconselha Ivanildo. A análise detalhada é especialmente importante para a aquisição de imóveis de alto valor. Para realizar a compra com segurança, a busca por profissionais do mercado, como tabeliães, advogados e corretores, é fundamental.