Resistir e reinventar

Ricardo Leitão
Jornalista

Publicado em: 25/10/2018 03:00 Atualizado em: 25/10/2018 10:23

Caso estejam certas as pesquisas e as projeções estatísticas, Jair Messias Bolsonaro, 63 anos, há 28 um obscuro deputado federal pelo Rio de Janeiro, será eleito presidente da República no próximo domingo. Capitão da reserva do Exército, ele ostenta, em seu currículo militar, ter sido investigado por planejar um ato terrorista felizmente não consumado.

A posse de Bolsonaro na Presidência talvez seja uma das maiores tragédias políticas da História do Brasil no século 21, de consequências imprevisíveis. Ele é o homem errado, no lugar errado, na hora errada. Subirá a rampa do Palácio do Planalto nos ombros de um moralismo reacionário; insuflado por uma campanha baseada na violência, no ódio e no medo; apoiado por milhões que votaram por desesperança e por rancor; sem apresentar qualquer proposta viável para que o Brasil vença a crise cada vez mais profunda.

Quais as atribuições hoje requeridas a um presidente para conduzir o país a uma saída? Capacidade de dialogar e de formar convergências; experiência administrativa no setor púbico; maturidade na relação com as organizações sociais; conhecimento da diversidade regional e das prioridades socioeconômicas; base sólida no Congresso; respeito nos fóruns internacionais.

Deixe de lado preconceitos e reflita: em qual ou quais dos itens acima enquadra-se positivamente Jair Bolsonaro? Provavelmente em nenhum. A chamada maioria democrática colocará na chefia do Poder Executivo um homem que defende a guerra civil; a tortura e os torturadores; o estupro de mulheres feias; a liberação do porte de armas; a homofobia; a criminalização das organizações sociais e é saudado por grupos nazifascistas.

O que aconteceu, 33 anos depois do fim da ditadura deflagrada com o Golpe de 1964? O que dizer aos milhares que deram seu suor, seu sangue e suas lágrimas para que homens como Jair Bolsonaro nunca chegassem ao Poder?

O que dizer aos que, pela liberdade, morreram pendurados nos paus-de-arara? Às mulheres com fios elétricos descascados enfiados nas vaginas? Aos que, amarrados, espancados e dopados, foram jogados de helicópteros nas matas da Amazônia para definhar de fome e de sede? Aos que foram presos em celas escuras, na companhia de cobras? Aos que foram decapitados e enterrados como indigentes? Aos que tiveram seus corpos incinerados em caldeiras de usinas de açúcar? Às crianças obrigadas a presenciar suas mães serem torturadas?

Não há mais nada a se dizer, agora há muito a se lutar. Jair Bolsonaro e as gangues paramilitares bolsonaristas nas ruas são um retrato cruel da nossa decadência política – da mesma forma que o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália, na metade do século passado. No entanto, ele não é causa dessa decadência e sim um dos seus piores efeitos – como o miasma exalado de um pântano fétido.

Bolsonaro está sustentado, no Congresso, por uma base de senadores e deputados federais profissionais da melhor tradição do “toma lá, dá cá”. Base com tanto crédito quanto um cheque de Sérgio Cabral endossado por Eduardo Cunha. O capitão da reserva praticou estelionato eleitoral, ao prometer o que não poderá entregar. Quantas tentativas serão feitas para debelar o desemprego, a inflação e o desinvestimento? Diante do fracasso, previsto por analistas de variadas correntes, quantos batalhões serão mobilizados para conter a fúria das ruas?

O capitão da reserva não tem capacidade pessoal nem equipe para governar o Brasil. O pior: muitos que agora o glorificam sabem disso mas movem-se excitados pelo objetivo de estraçalhar o petismo e se prover do que resta das parcas burras do Erário. Para eles, Bolsonaro é uma valiosa presa.

E para nós? Para nós, ele é um atestado dos nossos erros, pessoais e coletivos. Erramos por denegação, por arrogância, por pensar que tínhamos o monopólio dos votos dos mais pobres, dependentes dos programas de assistência social. Erramos por escandalizá-los, por nossa incapacidade de lhes indicar escapatórias para o desalento, a violência e o desemprego.

A todos que irão se opor a Jair Bolsonaro a primeira tarefa é uma honesta e firme autocrítica. Em seguida, a organização da resistência política. Por fim, o dever de reinventar o Brasil. Bolsonaro é o fim de um tempo marcado pela polarização PT-PSDB? Ou o início de um novo tempo, no qual a direita será protagonista? É fácil dizer que o futuro dirá. À nossa frente, contudo, o futuro é uma pesada interrogação.

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