O Caminho do Meio e a escolha de um "Mito"

Márcia Mª G. Alcoforado de Moraes
Professora Associado - Departamento de Economia/PIMES/PPGEC. Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.

Publicado em: 11/09/2018 03:00 Atualizado em: 11/09/2018 08:57

O Caminho do Meio é um princípio orientador da prática budista, que tem entre suas definições o de ser “Um estado no qual ficaria claro que todas as dualidades aparentes no mundo são ilusórias.” Não sou budista. Interessei-me e tomei conhecimento deste conceito através da Psicologia Analítica de Carl G. Jung (1875-1961). Para Jung, segundo descreve Amnéris Maroni em O Poeta da Alma, o Caminho do Meio seria a consecução da união entre o consciente e o inconsciente, ou como ele gostava de referir-se simbolicamente, entre a luz e a sombra. Esta seria a meta da individuação, o processo de tornar-se verdadeiramente um “indivíduo” para o brilhante psicólogo.  A união da verdade racional com a irracional entendida por alguns como possível apenas através da arte (J.C.F. Von Schiller – 1759-1805) segundo Jung, poderia ser realizada através de mitos e símbolos. Estes últimos conteriam ambos os lados e teriam na sua essência a capacidade de expressar um lado e também o outro, abraçando os dois ao mesmo tempo, mas não sendo nem um nem outro. No símbolo, os opostos desapareceriam por completo, nenhum vestígio da antiga divisão se encontraria no todo. “É um equívoco ler Jung como o autor do inconsciente. Do mesmo modo que não valorizou apenas a consciência, ele atribuiu real valor ao espaço intermediário no caminho que todos teriam que seguir na busca pela completude.”

Vivemos tempos de aguda polarização às vésperas de nossas eleições gerais. Muitos já as consideram como o final de um ciclo que se esgotou, mas nem por isso são avaliadas como menos importantes. Serão o início de um outro e precisamos decidir, de uma vez por todas, o que somos e o que vamos ser. Em suas Memórias do futuro André Bueno analisa um conjunto de ensaios da literatura brasileira, e através delas “explora as idealizações e ilusões que envolvem o imaginário do país quanto ao próprio futuro”. Alguns desses “futuros”, segundo o autor, “foram desautorizados pelo rumo real da história de época contemporânea.” Mesmo nesse momento  conturbado, entre dois polos extremos que se desconhecem como se não fossem partes de um todo, vejo para a sociedade brasileira uma opção existente e posta, representativa de um Caminho do Meio. Para concretizarmos um futuro “novo” esse Caminho precisa, no meu entender, ser escolhido e trilhado.  A elite brasileira, não no sentido econômico, mas no sentido lembrado recentemente por Luiz Otávio Cavalcanti em seu artigo As Cinzas do Museu – “o de pessoas mais preparadas na economia e na política, tanto em atividades liberais como no setor público” – pode e tem capacidade de orientar esse processo. Postergamos as mudanças a mais não poder, é verdade, mas ainda há tempo: tempo de evitar o desastre de colocar nossas instituições mais caras em mãos erradas. Tempo de assumir a nossa capacidade como indivíduos.  

Continua Amnéris M.: “São, em última instância, os indivíduos que são capazes de criar novos valores para a sociedade. E só com a criação desses novos valores, eles serão de novo aceitos por ela. Nessa tensão indivíduo-sociedade, uma opção precisa ser feita e Jung não hesitou em fazê-la em nome do indivíduo, ou melhor, dos indivíduos capazes de criar novos valores.” Acredito ser das ações de tais indivíduos que dependeremos. Potencializaremos tais ações, ao lhes assegurarmos um ambiente democrático e ao provermos símbolos que os inspirem. Um dos símbolos junguianos mais estudados, o arquétipo materno, associa-se ao Caminho do Meio pois reverencia a integração de opostos e o respeito à diversidade em todos os níveis.  Acolhimento, cuidado, sabedoria e suporte são alguns dos aspectos positivos associados a essa estrutura psíquica, que exerce influências tanto no homem quanto na mulher, mas que é experimentada mais concretamente nelas. Sabemos o que é necessário fazer e sabemos também como não será feito: com autoritarismo, messianismo ou violência. Em um passado tão próximo já experimentamos de quase tudo. Do pior e do melhor.  Constituindo hoje maioria em nosso colégio eleitoral, caberá a nós mulheres decidir.  Não podemos escolher o “Mito” errado!

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