Reflexões sobre liberdade de pensamento

Patrícia Santa Cruz de Oliveira
Advogada e sócia do Escritório Limongi Sial & Reynaldo Alves

Publicado em: 30/08/2018 03:00 Atualizado em: 30/08/2018 08:51

Nada mais apropriado, e necessário, do que revisitar - em homenagem à data de 14 de julho, marco inicial da Revolução Francesa - a essência de direitos individuais fundamentais, discutidos pelos filósofos já antes da queda da Bastilha em 1789. Se outras revoluções posteriores, como a industrial, pós-industrial, tecnológica e digital, impulsionaram o surgimento de canais de comunicação cada vez mais instantâneos, intensos, parece que alguns conceitos foram encobertos pela poeira do tempo, sufocados pela intolerância, violência e totalitarismo. Incursionar no tema “Dia da Liberdade de Pensamento” e rever as ideias desde Sócrates a Voltaire, Jean-Paul Sartre, John Stuart Mill, apenas para exemplificar, implica, necessariamente, na reflexão sobre o que o mundo vive atualmente e, em especial, nosso país.

A liberdade total de pensamento, apesar de todo esse tempo, ainda não foi alcançada, em que pese essencial. E não se deve interpretá-la como a obtenção do que se almeja, mas sim a possibilidade de agir e, portanto, significar, na lição de Sartre, sem desconsiderar a realidade histórica e social. A aparente incompatibilidade dos conceitos de liberdade e responsabilidade, em verdade, deveria lastrear, em harmonia, os cânones da vida em comunidade. Dentro da linha sartriana, não se pode esquecer que “Ainda que fôssemos surdos e mudos como uma pedra, a nossa própria passividade seria uma forma de ação”, ou seja, o “não agir” já é uma escolha por “nada fazer”.

E com inspiração em premissas tão ousadas e profundas, a Constituição Federal de 1988 consagrou a liberdade de pensamento, e sua expressão, como garantias individuais fundamentais (art. 5º, IV, VI, VII, IX, bem como art. 220), intrinsecamente ligadas aos princípios da legalidade e da isonomia. O conceito de Estado Democrático de Direito, ao agregar a realização destes preceitos constitucionais básicos, consagra o pluralismo de ideias e pensamentos e, em sintonia, o indissociável respeito às opiniões. Ou seja, seguiu a linha dos arts. 10 e 11 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, não desenvolvendo o diferencial estatuído pela Primeira Emenda à Constituição norte-americana, mais liberal, vez que limitou o próprio legislador de intervir nas liberdades de expressão e comunicação.

Assim, diante de tantos influxos históricos, deveria o Estado Democrático de Direito, no Brasil, escudar e promover o direito fundamental da liberdade de pensamento, como forma de efetivamente cumprir o seu propósito, protegendo amplamente a dignidade da pessoa humana. Todavia, em pleno século 21, testemunha-se a tantas violações de liberdades – políticas, de gênero, religiosas, de expressão, entre tantas – que o pensamento, como autonomia de poder ter e defender posições, de modo independente, mesmo mediante assunção da responsabilidade pelas mesmas, parece ser mitigado, gerando uma letargia na evolução (e mesmo, involução) da sociedade pós-moderna, no que tange aos seus valores, pautada cada vez mais pelo individualismo, afastando-se do pensamento coletivo. Sem dúvida, é uma forma de violência. E, como reflexão, concluindo na visão de Sartre, “A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”. Pensemos, com responsabilidade, para agir!

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