° / °
Cadernos Blogs Colunas Rádios Serviços Portais

Estilista Eduardo Ferreira levou o Recife para as passarelas

Cansado de ver a sua cidade desfilar roupas que não lhe cabiam, Eduardo Ferreira costurou sua própria moda inspirada no movimento manguebeat

Por Allan Lopes

Estilista Eduardo Ferreira

As grandes capitais da moda são quase sempre as mesmas: Paris, Milão, Londres e Nova Iorque. Mas, nos anos 1990, o Recife também entrou na rota. O responsável foi Eduardo Ferreira, estilista que mostrou ser possível criar aqui uma passarela tão potente quanto as internacionais, só que carregada de tradições e símbolos pernambucanos. Assim nasceu o “mangue fashion”, inspirado pela mesma rebeldia estética e social que transformou o manguebeat em um movimento cultural.

Mas a relação de Eduardo com a estética e a cultura popular vem de muito antes, ainda nas memórias de infância. Mesmo sendo analfabeta, sua mãe costurava enxovais inteiros, e assim descobriu que as cores e os tecidos também eram formas de contar quem se é — e de onde se vem. Nos arredores de casa, em uma comunidade ribeirinha da Caxangá, as vizinhas, muitas delas do candomblé, estendiam roupas volumosas, rendadas, brilhantes e coloridas, preparadas para as celebrações em reverência às iabás e aos orixás. “Aquilo me causou um impacto visual que me acompanha até hoje”, recorda ele, em conversa com o Viver.

Nos anos 1980, a leitura do romance Homens e Caranguejos, de Josué de Castro, deixou nele uma marca definitiva. “A questão social virou um tema muito caro para mim”, destaca. O princípio da simbiose, no qual todas as formas de vida dependem umas das outras, transcendeu seu contexto biológico e se transformou na matriz criativa da sua primeira peça, criada para um concurso que revelava novos talentos da moda.

Depois, foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na Rede Manchete, assinando figurinos da novela Carmem (1987-88), e fez estágio na TV Globo, no seriado Armação Ilimitada (1985-88), dirigido por Guel Arraes. Por razões familiares, retornou ao Recife e trabalhou com Beto Guerra por quatro anos, período em que aprendeu todas as etapas de confecção e produção de desfiles. Mas, depois de assistir a um dos primeiros shows de Chico Science e Nação Zumbi, pediu demissão. “Eu vi, naquela mistura do moderno com a tradição, a síntese do que eu queria para a minha roupa”, frisa.

Na tentativa de criar sua própria linguagem, Eduardo também queria vestir o Recife, suas cores, tradições e símbolos, em cada peça. “Nos desfiles realizados aqui, havia muita cópia do que vinha da Europa. Muitas vezes, as roupas nem combinavam com o nosso clima”, relembra. Foi desse incômodo que surgiu a coleção batizada de Mangue Fashion, um vestuário autoral que ia além dos figurinos de Chico Science ou da forma como a juventude se vestia na época, marcada pelas influências grunge e streetwear.

Após conquistar espaço nas principais revistas de moda do Brasil e do mundo, e desfilar em eventos de peso como o Phytoervas Fashion, Eduardo passou a ser visto como parte do movimento manguebeat, um rótulo com o qual ele não concorda. “Qualquer estilista que tivesse o privilégio de nascer e conviver no Recife, naquele exato momento, inevitavelmente levaria aquela efervescência toda para o seu trabalho. E foi isso que eu fiz”, explica.

Ele criou alguns figurinos para Chico, que tiveram grande repercussão e chegaram, inclusive, às páginas do New York Times. Depois, os dois se aproximaram e haviam marcado um almoço para o dia seguinte ao fatídico 2 de fevereiro de 1997, data da morte do cantor. “Sentia que estava conquistando a confiança dele, porque sempre levei a moda para além da estética, como expressão de cultura e identidade. E isso, aos poucos, estava sendo reconhecido”, destaca Eduardo, que também trabalhou com outros nomes da cena, como Mundo Livre S/A, Mestre Ambrósio e Cannibal. Até hoje, segue colaborando com artistas remanescentes e da nova geração, a exemplo de Almério.

Fiel à sua trajetória, Eduardo lançou recentemente a coleção Samba do Godê Pavão, criada em parceria com o grupo Coco Raízes de Arcoverde, unindo referências da cultura indígena e do cotidiano.“Minha leitura de moda nunca foi voltada para o comércio. É sobre cultura, sobre o reflexo cultural e, principalmente, trazer benefícios para todos. Fazer com que a sociedade cresça através da moda”, reforça. Desse modo, enquanto a indústria fabrica tendências, Eduardo cria legados.