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Brasil chega bem cotado na disputa pela Palma de Ouro

Competição do maior festival de cinema do mundo chegou ao fim nesta sexta-feira (23); resultado da premiação será revelado neste sábado

Por André Guerra - Enviado especial

'Sentimental Value', 'O Agente Secreto' e 'It Was Just Like an Accident' são especulados como favoritos, mas premiação tem tudo para surpreender

Com a 78ª edição do Festival de Cannes chegando ao fim neste final de semana, a tradicional dúvida sobre quem vencerá a Palma de Ouro permanece — talvez como uma incógnita ainda maior do que em anos anteriores. O Diario esteve presente durante todos os dias do evento, na Riviera Francesa, acompanhando os principais filmes da seleção oficial, sobretudo da competição, e suas repercussões na imprensa internacional.

Para os brasileiros, a pergunta principal é: quais as chances de o longa pernambucano O Agente Secreto sair premiado desta edição? De acordo com todo o clima após a sua estreia no festival, tudo indica que são grandes. O aguardado projeto de Kleber Mendonça Filho teve ampla aclamação da primeira leva de críticas, tornando-se um dos mais bem avaliados da mostra competitiva nos principais sites agregadores de notas, como Rotten Tomatoes e Metacritic.

Sabidamente, porém, boa recepção dos críticos não significa muito na prática, já que quem decide o resultado da premiação é o júri, alternado a cada edição. Este ano, o corpo jurado é presidido pela atriz francesa Juliete Binoche e composto ainda por Halle Berry, Hong Sang-soo, Payal Kapadia, Alba Rohrwacher, Leïla Slimani, Dieudo Hamadi, Carlos Reygadas e Jeremy Strong.

Especula-se que o perfil diverso dos membros do júri deva influenciar na escolha de um candidato fora do eixo mainstream, sobretudo após a questionada Palma de Ouro concedida pela última edição de Cannes ao americano Anora, de Sean Baker (que acabou por vencer também o Oscar de Melhor Filme). Essa teoria pode muito bem favorecer O Agente Secreto, único longa latino dentre os 22 da competição, com o adicional de vir na esteira da vitória histórica de Ainda Estou Aqui no Oscar de Melhor Filme Internacional.

Outra notícia excelente para o filme de Kleber é a presença forte e internacionalmente conhecida de Wagner Moura, em alta com vários trabalhos elogiados no cinema e na televisão desde o ano passado. Aliado a um elenco grande e homogeneamente excelente que não se rende a sua presença, o astro chega forte também para um possível prêmio de Interpretação Masculina, o que marcaria a terceira atuação brasileira a sair vitoriosa de Cannes (sendo as anteriores Fernanda Torres, por Eu Sei que Vou Te Amar, e Sandra Corveloni, por Linha de Passe).

Caso O Agente Secreto vença a Palma de Ouro, marcará a segunda premiação máxima do Brasil no festival, 63 anos depois da vitória de O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte. Um dos mais importantes veículos da imprensa internacional, o jornal britânico The Guardian apostou que o filme de Kleber sairá desta edição histórica do festival com o prêmio nas mãos. Outras diferentes publicações arriscam que as maiores chances dele são nas categorias de Direção ou Roteiro.

 

A CONCORRÊNCIA

Mesmo após toda a excelente reação a O Agente Secreto, o Festival de Cannes 2025 está notoriamente mais imprevisível do que anos anteriores. Após o fim de todas as sessões da competição, ficou difícil encontrar um grande consenso entre as apostas dos principais críticos — ainda que um núcleo duro composto por pelo menos quatro filmes esteja em destaque nos palpites de burburinho.

O primeiro deles é o norueguês Sentimental Value ("Valor Sentimental"), de longe o filme com o maior tempo de aplauso de estreia entre os longas da mostra competitiva e também um dos mais bem recebidos pela crítica. Dirigido por Joaquim Trier, de A Pior Pessoa do Mundo (que deu o prêmio de Interpretação Feminina para a atriz Renate Reinsve em 2021), o delicado e cômico drama sobre uma complicada tentativa de reconexão de pai e filhas ganhou o coração de muita gente nos últimos dias do festival, o que costuma ser uma ótima receita para Palma de Ouro.

Caso Binoche e os demais membros do júri queiram priorizar uma premiação de maior carga política, porém, a aposta mais provável para o prêmio máximo é It Was Just an Accident ("Um Simples Acidente"), de Jafar Panahi. Este é o primeiro longa do aclamado realizador iraniano após ser solto da sua prisão (ele foi condenado em 2022 por "propaganda contra o sistema", assim como outros cineastas que denunciam o governo teocrático do país). Na trama do filme, um homem tem certeza de que reconheceu na rua um torturador seu e decide sequestrá-lo, mas começa a duvidar se realmente capturou a pessoa certa e começa. Filmado quase como uma comédia de erros que ganha contornos cada vez mais dramáticos, este trabalho de Panahi tem a forma e o timing para sair por cima do festival.

Uma possibilidade bem mais irreverente que não dá para descartar é o júri eleger o implacável Sirat, produção franco-espanhola dirigida por Oliver Laxe e um dos mais elogiados e impactantes da competição. A trama, que começa como uma busca de um pai por sua filha em uma rave no deserto e se desdobra em uma brutal luta por sobrevivência, foi elogiada pela sua audácia. Nos últimos anos Cannes premiou trabalhos divisivos, como Titane e Triângulo da Tristeza, e todo o burburinho indica que o filme de Laxe é um dos mais cotados para representar o lado da controvérsia.

Pode ser também que o júri surpreenda a todos e queira ir para uma direção mais experimental e menos urgente. Neste caso, o vencedor da Palma de Ouro pode acabar sendo justamente o primeiro exibido em competição, o triste e existencialista drama alemão Sound of Falling ("Som da Queda"), da diretora Mascha Schilinski, que acompanha quatro gerações de mulheres em uma casa na zona rural. Em uma veia ainda mais radical, especulações apontam ainda para a possibilidade do chinês Resurrection ("Ressurreição"), de Bi Gan, sair com o maior prêmio do festival, embora as chances pareçam remotas devido ao caráter experimental e impenetrável do longa chinês de 2h40 de duração.

Não tivesse sido premiada em 2021 com Titane, a francesa Julia Ducournau talvez fosse uma possibilidade plausível em alguma premiação com seu fatalista Alpha, que trata de uma adolescente rejeitada na escola por aparentar uma doença, a qual parece estar consumindo o seu irmão por completo, em uma distópica alegoria que vai de AIDS até referências à Covid-19. A reposta ao filme foi forte e polarizada, com muitos criticos reprovando brutalmente (o que frequentemente emerge como vitorioso fora da curva em Cannes, mas, desta vez, não parece ser o caso).

 

OUTRAS POSSIBILIDADES

Sempre temazarão que pode surgir discretamente na disputa e tudo indica que, este ano, o filme em questão pode ser o ucraniano Two Prosecutors, de Sergei Loznitsa, ambientado na União Soviética de 1937 e protagonizado por um procurador que busca justiça por um prisioneiro que clama ser vítima de tortura. Visualmente seco e rígido, portanto muito distinto das Palmas de Ouro recentes, o longa pode aparecer com algum reconhecimento, considerando que também esteve entre os mais elogiados da temporada de Cannes.

Poucos estão apostando nas chaces de filmes americanos de elencos badalados, como Die, My Love, de Lynne Ramsey, Eddington, de Ari Aster, The History of Sound, de Oliver Hermanus, O Esquema Fenício, de Wes Anderson, e The Mastermind, de Kelly Reichardt, não somente por um longa americano ter vencido a última Palma de Ouro, mas porque nenhum deles fez barulho o suficiente no Festival de Cannes para justificar o hype. Um júri sempre pode surpreender, porém, e nada impede que esses trabalhos sejam reconhecidos nas demais categorias.

A cerimônia de premiação ocorre no Palais des Festivals, em Cannes, neste sábado (24), marcada para as 18h40 na França, ou 13h40 no Brasil.