''Escravidão nunca foi abolida de fato", diz procuradora do MPT
Assinada há 137 anos, a Lei Áurea não conseguiu garantir mais dignidade e menos racismo para a população negra do Brasil. Além disso, a abolição da escravatura por completo também não foi um fato que tenha acontecido ao longo desse período, uma vez que ainda é necessário um trabalho intenso de órgãos de fiscalização para responsabilizar quem comete esse tipo de crime

“A escravidão no Brasil nunca foi abolida de fato.” Assim a procuradora do Ministério Público do Trabalho em Pernambuco, Débora Tito, define a persistência de práticas que violam a dignidade humana no país. Ainda segundo ela, “o que mudou foi o texto legal”. Amanhã, 13 de maio, completam 137 anos da abolição da escravatura. Mas situações que submetem trabalhadores a condições análogas à escravidão seguem sendo uma realidade.
Nos canaviais, carvoarias, canteiros de obras e até em casas de família, a liberdade de muitos trabalhadores continua sendo embargada. Como lembra Débora Tito, “ela nunca foi justa, mas até pouco tempo atrás, era legal”. Nada do que se vive hoje se compara aos mais de 400 anos de escravidão legalizada no Brasil, marcada pelo tráfico negros, violência extrema e tortura. No entanto, a lógica da exploração persiste.
De acordo com Débora, é preciso ficar atento aos sinais de alerta que começam desde o recrutamento: “Começam pelas falsas promessas. Um salário bom, boas condições em outra cidade, isso já deve acender um alerta.” A prática é comum: trabalhadores, especialmente das zonas rurais, migram acreditando em uma vida melhor, mas acabam vítimas de exploração. “Retenção de documentos, condições insalubres, cobrança por alimentação e equipamentos são indícios claros de que há algo errado”, explica.
Denúncias
O Ministério Público do Trabalho ressalta a importância das denúncias e orienta que elas sejam feitas mesmo quando não há certeza. “Se não for o crime do artigo 149 do Código Penal, a fiscalização pode revelar outras irregularidades trabalhistas”, destaca Débora. O importante é denunciar.
Embora ainda seja mais comum em áreas rurais, o trabalho análogo à escravidão está por toda parte: “hoje em dia a gente tem visto em confecções, obras da construção civil, e até em casas de família, com trabalho doméstico”, diz Débora. “O que define o crime, segundo a legislação, é a coisificação do trabalhador, ou seja, quando ele deixa de ser tratado como sujeito de direitos e passa a ser visto como insumo da produção”.
A legislação brasileira define características do trabalho análogo à escravidão, conforme o Código Penal. Uma delas é o trabalho forçado, que ocorre quando há coerção física ou psicológica. Outra forma é a servidão por dívida, em que o trabalhador chega devendo alimentação, transporte ou equipamentos e, ao final do mês, em vez de receber, continua devendo.
As condições degradantes também estão previstas e incluem, por exemplo, ausência de água potável, moradia insalubre, falta de equipamentos de proteção, entre outros. Por fim, a jornada exaustiva, que vai além das horas extras. É o trabalho em condições tão insalubres e intensas que afetam a saúde e a dignidade do trabalhador.
Diario na história
No dia 13 de maio de 1888, o Diario de Pernambuco noticiou a assinatura da Lei Áurea, que extinguiu oficialmente a escravidão no Brasil. A notícia provocou intensas comemorações em Recife, com centenas de pessoas nas ruas e manifestações espontâneas. O jornal refletiu o clima de euforia, interrompeu sua circulação nos dias seguintes para permitir que seus funcionários participassem das festividades.
Em sua edição subsequente, o periódico justificou a ausência: “Em virtude das festas da liberdade das quais não nos era lícito privar os operários de nossos ofícios e a pedido destes, deixamos de dar jornal anteontem e ontem.”
A cobertura do Diario de Pernambuco também relatou a aglomeração de aproximadamente seis mil pessoas na Rua do Imperador, que celebraram a notícia com fogos de artifício e aclamações à princesa Isabel e ao conselheiro João Alfredo. As comemorações se estenderam por vários dias, com o comércio local fechando as portas em sinal de adesão às festividades.
Além de reportar os eventos, o jornal publicou homenagens e poesias exaltando a conquista da liberdade. Também destacou a necessidade de orientar os recém-libertos para o trabalho e a cidadania, refletindo as preocupações da época sobre a integração dos ex-escravizados na sociedade.