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Constituição limita os tipos das propostas dos parlamentares

Especialista explica que existem travas legais e fiscais para a apresentação de leis no Congresso Nacional e ressalta que quantidade não significa qualidade

Por Cecilia Belo

Com a ampliação, a Câmara dos Deputados pode ganhar mais 18 cadeiras

Apesar de o Congresso Nacional ser a arena central da elaboração de leis no país, os parlamentares enfrentam obstáculos constitucionais e fiscais que limitam sua atuação. “É importante a gente lembrar que existem alguns projetos que são de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, como o presidente da República. Isso significa que os parlamentares não podem propor projetos sobre temas sensíveis como aumento de cargos, organização administrativa, criação de órgãos públicos, aumento de remuneração dos servidores. Somente o presidente pode propor esse tipo de tema num projeto”, explica o cientista político e professor de Direito, Felipe Ferreira Lima.

Segundo ele, mesmo quando a matéria é permitida, os parlamentares esbarram em travas legais e fiscais, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “Há vedação de aumento de despesas nos últimos meses de mandato, para evitar o abuso de poder. Fora isso, existem margens muito pequenas para o parlamentar interferir no cotidiano do Executivo”, completa.

A Constituição Federal define os tipos de proposição admitidos e estabelece diferentes ritos de tramitação a depender da matéria. Mas a realidade, segundo Felipe Ferreira Lima, é que poucos parlamentares têm domínio técnico suficiente para propor leis relevantes.

“Infelizmente, essa é a realidade do país. Tem parlamentar que passa oito, doze anos no Congresso sem ter a mínima noção do que é legislar. Participa das articulações, das discussões políticas, mas sem legislar de fato. Por isso é tão importante a atuação dos assessores legislativos e dos consultores concursados da Câmara e do Senado, que pegam a ideia e transformam num texto com viabilidade jurídica”, afirma.

O Congresso Nacional conta com consultores legislativos permanentes, assessorias especializadas nas comissões, além da possibilidade de contratar especialistas externos. “Existe uma estrutura robusta para fundamentar qualquer iniciativa legislativa”, completa o doutor em Direito e mestre em Ciência Política, Manoel Moraes.

Qualidade
Felipe Ferreira Lima ressalta ainda que quantidade de projetos não equivale à qualidade da atuação. “A gente vê muito deputado sendo campeão de proposição, mas metade são projetos formais: nome de rua, homenagem, datas comemorativas. Isso não impacta de fato na vida da sociedade. O que importa é analisar a qualidade legislativa e o impacto social do que é aprovado”, defende.

Ele cita como exemplos de projetos com grande impacto o novo Marco Legal do Saneamento Básico, de 2020, e a Lei da Liberdade Econômica, de 2019.

“Essas leis ampliaram o acesso ao saneamento, reduziram a burocracia para pequenos negócios, incentivaram o empreendedorismo e melhoraram a saúde pública. A LGPD, aprovada em 2018, também é outro marco importante. E há ainda legislações mais recentes, como a de combate à violência política de gênero e a regulamentação da cannabis medicinal”, lista.

Bancadas
O professor Manoel Moraes chama atenção para o papel das bancadas e lideranças partidárias na condução do trabalho legislativo. “É difícil pensar na atuação de um deputado sem considerar a dimensão coletiva das bancadas. São elas que elegem os líderes e pautam a dinâmica da Casa”, afirma.

Esse elemento, segundo ele, explica por que muitas proposições seguem uma lógica de coalizões políticas e por que o Parlamento nem sempre opera sob a lógica da atuação individualizada.

Ainda assim, ele critica a tramitação de projetos sem a devida escuta pública: “Temos visto propostas avançarem com celeridade e adesão ampla, mas sem debate qualificado nem participação social”, adverte. Ele ressalta que o Parlamento, enquanto espaço de mediação de conflitos, precisa garantir a pluralidade e a escuta da sociedade civil, por meio de audiências públicas e participação efetiva de especialistas.