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Confederações desrespeitam lei que determina a participação de competidores nas entidades

A obrigatoriedade é condição para o recebimento de recursos públicos

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Um terço das confederações esportivas que mais recebem dinheiro público por meio de repasses da Lei Agnelo-Piva descumpre legislação que as obriga a dar poder aos atletas para participarem das decisões das entidades. Das 15 mais beneficiadas, o Correio apurou que cinco não poderiam estar recebendo recursos públicos: as de canoagem, ciclismo, handebol, judô e vela. Duas delas, de vôlei e triatlo, se adequaram apenas no início deste ano — embora a alteração na Lei Pelé, que prevê a obrigatoriedade da representação dos atletas, inclusive com direito a voto nas assembleias, esteja em vigor desde abril de 2014.

Ainda que tenham ignorado tal condição, as sete confederações irregulares obtiveram, juntas, R$ 50,65 milhões de recursos públicos nos dois últimos anos. O valor é oriundo apenas da lei que destina 1,7% do prêmio das loterias federais ao Comitê Olímpico do Brasil (COB), que repassa parte para as entidades. A Confederação Brasileira de Handebol (CBHb), por exemplo, arrecadou, sozinha, R$ 7,45 milhões da Lei Agnelo-Piva em 2014 e 2015. Nesse período, ainda recebeu R$ 29,6 milhões de patrocínio do Banco do Brasil e dos Correios e R$ 10 milhões do Bolsa Atleta.

“Nunca deixamos de ter acesso aos recursos públicos pelo fato de as comissões de atletas ainda não estarem funcionando. Não tivemos nenhum tipo de obstrução de recursos em função disso”, disse o diretor jurídico da CBHb, Paulo Sérgio de Oliveira. Ele explicou que as comissões estão previstas no estatuto da entidade desde 2014. Assim como no caso do handebol, as outras seis confederações esportivas chegaram a incluir nos estatutos um tópico dedicado a “Comissão de Atletas”. Contudo, elas não saíram do papel.

No documento que rege o funcionamento da confederação, está previsto que a comissão formada deve eleger um representante com direito a participação e a voto nas assembleias. O que, no entanto, não foi colocado em prática desde que a lei passou a valer, seis meses após ser publicada, em outubro de 2013. Apenas a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) conta com uma comissão de atletas há dois anos. Mas a CBJ não garante a participação desse grupo nos colegiados de direção e na eleição para os cargos da entidade, como exige a lei.

Voto, não

“Não temos direito a voto; até hoje, não tivemos. Isso não”, conta o judoca Tiago Camilo, membro da comissão de atletas da CBJ. Dono de uma prata e um bronze em Jogos Olímpicos, ele e “atletas mais antigos, como o Flávio Canto”, pleitearam com o presidente uma maior participação na entidade até que a comissão foi efetivada. Agora, Tiago considera a comissão de atletas do judô brasileiro bastante atuante e comemora conquistas como o direito a salário garantido aos judocas da Seleção.

Apesar disso, Tiago Camilo não minimiza a relevância do poder de decisão da classe nas assembleias. “O atleta é muito importante no processo, já que é o principal alvo de tudo o que envolve a confederação e a modalidade. Por isso, tem de ter direito a pleitear aquilo que é bom para ele”, argumenta. “Querendo ou não, quem não tem direito a voto e a opinar nas decisões acaba não sendo respeitado como deveria.”

Em situação contrária, a Confederação Brasileira de Boxe (CBBoxe) diz contar com um representante dos atletas em todas as eleições e assembleias, mesmo não tendo uma comissão para responder pela classe. A assessoria da entidade, porém, não soube apontar o nome do boxeador que representa os demais atletas e não se dispôs a detalhar o assunto, justificando que os competidores estavam em torneio fora do país.

INDICAÇÕES CABEM AOS COMPETIDORES

O ano olímpico impulsionou algumas das confederações a começar a implementação das comissões de atletas. As entidades de triatlo e de vôlei as elegeram em janeiro e fevereiro, respectivamente. A de vela, segundo o diretor-executivo Daniel Santiago, pretende promover as eleições no meio do ano. Já a de handebol publicou edital no início do mês para registro de candidatura. A participação desses grupos no colégio eleitoral, porém, se dará só a partir de 2017, pois eles deverão ser nomeados na assembleia deste ano.
 
No caso da Confederação Brasileira de Handebol (CBHb), a comissão de atletas será composta por seis representantes. Caso o número de candidatos exceda o limite de vagas, caberá à entidade decidir os integrantes. “Nós ainda não estamos preparados, não temos estrutura tecnológica para fazer uma eleição virtual”, explica Paulo Sérgio de Oliveira, diretor jurídico da CBHb.

Muitas confederações que efetivaram a participação dos esportistas nas decisões da entidade o fizeram por meio de indicação. “O que tira a representatividade da classe dos atletas”, critica o presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/RJ, Marcelo Jucá. Isso porque a Lei nº 12.686 — que modificou o artigo 18A da Lei Pelé em outubro de 2013, exigindo a representação dos atletas — não especificava de que maneira as entidades deveriam formá-las. A “correção” ocorreu por meio da Lei nº 13.155, mais conhecida como MP do Futebol ou Profut.

Apesar de estabelecer princípios e práticas de responsabilidade fiscal e de gestão de transparência para entidades de futebol, o Profut também trouxe determinações de âmbito geral do esporte nacional. Assim, se tornou a mais recente atualização da Lei Pelé. Em vigor desde agosto de 2015, a nova legislação aponta que “os representantes dos atletas deverão ser escolhidos pelo voto destes, em eleição direta, organizada pela entidade de administração do desporto, em conjunto com as entidades que os representem”. “Agora, essa representatividade tem de ser exercida efetivamente pelos atletas”, diz Juca.

Já de olho nas novas exigências, a Justiça entrou em ação e começou pela Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). Neste mês, o Ministério Público Federal cobrou explicações da entidade, sob pena de suspensão de repasses do governo federal e de isenções fiscais. A Procuradoria da República de São Paulo aponta que a confederação tem de se adaptar a aspectos relacionados à representação dos atletas nos conselhos técnicos.

Do estatuto da CBDA consta que a comissão de atletas — já existente — deve ser constituída por cinco membros filiados, um de cada modalidade, designados pelo presidente da entidade. Mas agora a lei exige que os próprios atletas elejam os integrantes. “A adequação legal do Estatuto Social da CBDA às novas modificações legais é condição para que a entidade faça jus a benefícios, isenções e repasses de receitas públicas”, diz o documento do MPF.



PRAZO CURTO

Embora a Lei Pelé informe que a verificação do cumprimento das exigências seja de responsabilidade do Ministério do Esporte, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) explica que acompanhou a alteração nos estatutos das confederações e que estes garantem a representatividade da categoria de atletas. “Essa representatividade pode se dar de algumas maneiras, seja por meio de uma comissão de atletas ou pela presença de atleta(s) na assembleia da entidade”, disse o órgão, por meio da assessoria.

Quanto à demora em efetivar as comissões de atletas, previstas pelos respectivos estatutos, as confederações argumentam que é curto o prazo de seis meses para se adaptarem à alteração na Lei Pelé. “Esse projeto de governança administrativa é um processo, não se dá de um dia para o outro”, aponta o diretor jurídico da Confederação Brasileira de Handebol (CBHb), Paulo Sérgio de Oliveira. A entidade prevê a comissão de atletas desde 2014 e abriu o edital de candidatura neste mês.

Na Confederação Brasileira de Judô (CBJ), a comissão de atletas ainda é informal. Segundo o presidente, Paulo Wanderley Teixeira, essa representação dos competidores passou a fazer parte do estatuto da entidade com a reforma realizada em assembleia, em novembro de 2015. “Após eleição, que será feita pelos próprios atletas em evento do calendário nacional de 2016, o representante da comissão vai votar na eleição para a CBJ, que ocorrerá em 2017”, disse, em nota.

Já a Confederação Brasileira de Vela (CBVela) explica que realizou as adequações no estatuto na assembleia seguinte à publicação da lei. Na reunião posterior, foi discutida a maneira como a comissão seria composta. Agora, a fase é de formação. “Estamos seguindo o trâmite que podemos, porque tem de seguir as decisões das assembleias”, justifica o diretor executivo da entidade, Daniel Santiago. “Entendo que há um período curto para o cumprimento da lei, em função de precisar organizar assembleias gerais e reunir os representantes de todos os estados.”