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COPA 2018

Casa da França, Clairfontaine volta a provar seu valor com sucesso neste Mundial

Publicado: 14/07/2018 às 05:00

No final do ano de 2012, um certo Zinedine Zidane irrompeu às portas do Centro Técnico Nacional (CTN) de Clairefontaine, nos arredores de Paris, para encontrar um jovem talento do futebol francês. Seu nome era Kylian, tinha 14 anos, e já era reputado como uma das futuras possíveis joias da seleção francesa. Cinco anos e meio depois, Kylian Mbappé vestirá neste domingo a camisa de número 10, eternizada por Zidane nos 3 a 0 sobre o Brasil na Copa de 1998.

Quando entrar em campo, o garoto de Bondy, na periferia da capital, provará que, aos 30 anos de existência, o CTN, centro de excelência da Federação Francesa de Futebol (FFF), considerado "a casa do futebol" na França, terá mais uma vez sido essencial no sucesso indiscutível dos Bleus nas últimas duas décadas. Em 20 anos, nenhuma equipe foi tantas vezes à final de uma Copa do Mundo - nem mesmo o Brasil (1998 e 2002) ou a Alemanha (2002 e 2014). Contra a Croácia, a França disputará sua terceira final de Mundial nas seis últimas edições. As duas primeiras foram em 1998 e 2006.

Para os conhecedores do esporte no país, essa realidade representa a mudança de status da França no futebol, que se afirma no cenário mundial como uma potência do esporte. Para analistas, essa transformação começou nos anos 1970. � época, a FFF criou uma estratégia com o intuito de deixar para trás os "anos negros" do futebol do país criando uma nova estrutura dedicada à preparação da seleção e à formação de jovens atletas. Em 1972, o Instituto Nacional de Vichy abriu as portas. Em 1988, foi a vez do Centro Técnico Nacional de Clairefontaine.

O objetivo dessa iniciativa foi não só criar uma estrutura de alto nível para acolher os Bleus, mas também para receber os maiores destaques das escolinhas de futebol do país, garotos - e agora também garotas - entre 12 e 15 anos, selecionados pelos olheiros da federação. A estratégia era formar os atletas do futuro em uma idade propícia à absorção do conhecimento, antes da entrada na juventude, quando a indisciplina e a resistência às instruções ganham terreno.

O resultado dessa iniciativa foi visto com clareza uma primeira vez em 1998. Na equipe campeã do mundo comandada pelo técnico Aimé Jacquet, nomes como Zidane, Thierry Henry e William Gallas haviam sido lapidados nos campos de treinamento de Clairefontaine.

Com o título inédito conquistado no Stade de France, o modelo francês de peneira e aprimoramento de jovens talentos se transformou em um padrão em vários países da Europa. Inglaterra, Bélgica e Alemanha não só construíram estruturas especiais para suas seleções, como adotaram a filosofia de mestiçagem que resultou no "black-blanc-beur", o time de 98 formado por negros, brancos e descendentes de árabes e que por alguns anos se tornou um símbolo de integração bem-sucedida na França - uma ilusão que acabaria desmontada pelas revoltas de periferias em 2005. Entre clubes, o Barcelona foi um dos que optou por uma estrutura similar.

Depois dos primeiros anos de sucesso, uma geração bem menos reputada, sem amor à camisa e à pátria, simbolizada pelo centroavante-problema Nicolas Anelka, abalou a reputação de sucesso de Clairefontaine. Seus métodos - a preferência por jovens com grande imposição física em lugar de alta técnica - e sua incapacidade de formar cidadãos de fato, e não apenas estrelas do futebol, foram colocados em dúvida.

Em lugar de destruir a estrutura que havia sido montada, entretanto, a FFF seguiu apostando. Uma nova geração de aspirantes a atletas passou a frequentar seus campos de treinamento, entre os quais o jovem Mbappé, que passou pelo centro entre 2011 e 2013. Em 2014, a federação colocou em prática um ambicioso projeto de ampliação da estrutura de Clairefontaine, radicalmente reformada desde então. Durante dois anos de obras, foram construídas novas cedes para a Direção Técnica Nacional (DTN), para a administração do Centro Nacional do Futebol (CNF) e para o Instituto de Formação, além de um novo polo audiovisual e um espaço de seminários com dois anfiteatros.

O célebre Castelo de Montjoye, residência da seleção da França, foi reformado, ampliando o conforto e as áreas de convívio social dos jogadores. Ao todo, 900 metros quadrados de salas de reuniões e escritórios foram incorporados à área de 56 hectares, que conta com nove campos de futebol, sete residências e albergues, 198 quartos e 300 leitos e que oferece 50 semanas de formação de jovens atletas e profissionais do esporte por ano. "Trata-se de uma estrutura privilegiada, que permite trabalhar com serenidade para preparar todas as diversas competições esportivas", orgulha-se �ric Latronico, diretor do centro.

O resultado de tanto investimento se vê mais uma vez no campo. No time-base de Didier Deschamps, dos 11 titulares, sete são egressos do centro de treinamento de adolescentes: além de Mbappé, Pogbá, Giroud, Varane, Matuidi, Umtiti e Pavard, em uma lista que poderia incluir ainda nomes como Dembélé, espécie de 12º titular do time. � esse grupo que vai a campo neste domingo, contra a Croácia: velhos conhecidos, alguns dos quais atletas que jogam juntos há vários, formados com o DNA da seleção francesa.

"Clairefontaine não é apenas a residência da equipe A da França. � também a casa das seleções de jovens, das seleções femininas, da formação, dos estágios de prospecção, dos seminários", explica Noël Le Graët, presidente da FFF. "� uma ferramenta para o conjunto do futebol francês. Uma referência."
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