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Em 'Lightyear', que estreia nesta quinta (16), Pixar aposta na familiaridade em detrimento da imaginação

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Nunca é tarde para lembrar que o pomposo catálogo de mais de 25 longas animados Pixar - empresa subsidiária da Disney desde 2006 - teve início com o lançamento de Toy Story (1995). O filme de John Lasseter foi simultaneamente uma revolução na animação 3D e o trabalho que estabeleceu o nome do seu realizador como uma das vozes mais influentes do período. Ao longo das décadas, a Pixar passou a desenvolver um artesanato das suas experimentações do início, e sua junção com a Disney rendeu trabalhos com gráficos invariavelmente virtuosos e enredos gradativamente mais ligados às agendas temáticas.

Os últimos lançamentos, no entanto, têm tido intervalo menor entre si a cada ano; obedecem como nunca a lógica de franquia - dos últimos dez, cinco são derivados - e parecem se preocupar menos com a inovação no equilíbrio entre forma e conteúdo e mais com a inofensibilidade. Enquanto Divertida mente (2015), Viva: A vida é uma festa (2017) e Soul (2020) são exceções a essa fase do estúdio, Lightyear, pelo bem e pelo mal, é regra.

Com direção e roteiro de Angus MacLane, em seu primeiro trabalho como realizador-solo, o filme que estreia hoje nos cinemas é baseado no icônico boneco Buzz Lightyear, dos quatro longas de Toy Story. Enquanto no longa de 1995 o personagem não tinha ideia de que era apenas um brinquedo licenciado e acreditava ser um patrulheiro espacial de verdade, Lightyear se supõe ser o filme que, dentro da realidade da obra original, levou o menino Andy a comprar o boneco.

Nesta trama, o de fato patrulheiro espacial está numa aventura com sua tripulação, que acaba presa em um planeta hostil após a destruição de uma força vital da nave. Obstinado a cumprir sua missão, Buzz passa anos fazendo viagens interestelares em busca de atingir a velocidade necessária para tirar seus amigos daquele planeta - um esforço que acaba lhe custando assistir década após década a todos ao seu redor envelhecendo.

A 'EFICIÊNCIA' PIXAR 
Lightyear conta com a galeria de coadjuvantes simpáticos e agradáveis de praxe (o animal fofo e engraçado da vez se destaca) e tem a vantagem de trabalhar com a demanda por representatividade de modo absolutamente natural, sem menção ou alarde. Também é habitual a Pixar encontrar momento-chave que toque em sentimentos mais verdadeiros e, ainda que a complexidade emocional de um trabalho como Up: Altas aventuras esteja ao infinito e além de distância, o primeiro ato do filme encontra forma eficiente de, em poucos minutos, lidar com a nada simples questão do peso da passagem dos anos.

Apesar de o universo ser de ficção dentro da ficção, a animação em si é ironicamente mais realista nas formas e na ação do que em qualquer um dos originais - o que demonstra bem a evolução da computação gráfica desde o primeiro da franquia, mas deixa Lightyear visualmente padronizado, pasteurizado e, francamente, algo burocrático. O acertado descompromisso com cronologia o torna acessível para qualquer espectador, afinal não é necessário assistir a nenhum dos quatro Toy Story para entendê-lo, mas o diretor-roteirista aproveita pouco as oportunidades de encher os olhos da plateia com a ambientação daquele planeta. A trilha sonora, por exemplo, tão marcante nos clássicos da Pixar, parece ter saído diretamente de um banco de dados de Star Wars.

O foco cai na segura ideia de trabalho em equipe - até oportuna no caso de um personagem individualista como Buzz - e em pontuais referências nostálgicas. Felizmente, ainda que longe da originalidade, Lightyear tem autonomia suficiente para não depender dessa bagagem prévia da audiência. Na busca pela eficiência em detrimento da ousadia, a Pixar, que explorou no passado as suas premissas inusitadas com inconfundível iconografia, segue o caminho funcional do divertimento instantâneo, mas que não aponta para o infinito e além da criatividade. Essa, até segunda ordem, se perdeu no tempo.